Rafaella

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Não sei o que me fez ligar para Bianca, e não para Bruna. Só sei que, quando abro a porta da casa dos meus pais e vejo minha melhor amiga parada diante da porta, sinto que tomei a decisão certa.

Ela confirma essa impressão quando entra, fecha a porta e, sem dizer uma palavra, me dá um abraço apertado. Solto um suspiro trêmulo. Pela primeira vez em uma hora, me sinto… não exatamente bem, claro, mas capaz de enfrentar tudo isso. Como se eu pudesse enfrentar qualquer coisa com Bianca ao meu lado.

Meus dedos se agarram à sua camisa. Encosto a cabeça em seu ombro e consigo respirar pela primeira vez em horas. Não, pela primeira vez em semanas. Ela cheira a perfume de vagabunda, mas não ligo. Tudo o que importa é que está aqui. Que veio.
Depois de tudo por que passamos, depois da maneira como falamos uma com a outra, depois da forma imatura como jogamos anos de amizade pela janela por causa de um desentendimento bobo, ela veio. E está me abraçando.

Meus olhos se enchem de lágrimas. Bianca leva as mãos ao meu cabelo. “Não chora.” Mas é claro que faço justamente isso. Soluço até. Ela sabia que seria assim. Bianca me deixa chorar, sem dizer nenhuma frase vazia, do tipo “vai ficar tudo bem”. Sem tentar me acalmar. Só me abraça.

Depois de um tempo, fungo horrivelmente. Ela olha para sua camisa branca, agora suja de base e rímel. Ela aponta para o próprio peito.

“Essa é uma coisa de que não senti falta.” Abro um sorrisinho. “Vou buscar a caixa de lenços tamanho família”, ela comenta, passando a mão no meu braço antes de ir para o banheiro. Então interrompe o passo e vira de novo pra mim. “Rafaella?”

“Oi?”

Enxugo os olhos na manga do moletom.

Ela aponta de novo para a camisa. “Essa foi a única coisa de que não senti falta.” Me derreto por dentro ao ver o afeto em seus olhos. O pedido de desculpas estampado em seu rosto. E de repente estamos numa boa de novo. Tenho absoluta certeza disso.

Sento no sofá e logo depois ela reaparece com a caixa de lenços prometida. Bianca a joga no meu colo antes de se acomodar ao meu lado.

“Onde estão seus pais?”

“Lá em cima”, respondo, olhando para as mãos.  “Da última vez que passamos por isso, minha mãe foi bem corajosa e otimista, mas agora…” Engulo em seco. “Ela não saiu do quarto desde que recebeu a notícia.”
Continuo olhando para as mãos antes de prosseguir. “Meu pai que teve que me contar. Quando fui falar com ela… a gente só chorava.” Isso me faz cair no choro de novo, e Bianca mais uma vez recorre a um abraço, porque é muito boa nisso. “Está nos gânglios linfáticos”, explico quando o acesso de choro passa. “O tratamento vai começar imediatamente. Um negócio que pelo jeito já deu certo algumas vezes, mas ainda estão usando a palavra ‘experimental’”, consigo dizer.

Seis meses. Talvez um ano.

Bianca me solta e se inclina para a frente.
Ela junta as mãos, baixa a cabeça e fecha os olhos com força. Só então percebo que não sou a única arrasada com a notícia. Bianca adora minha mãe.

Ponho a mão em suas costas, para que ela saiba que tem meu apoio assim como tenho o seu.

“Ela é forte”, Bianca diz. “Vai lutar.”

“Eu sei”, digo. “É que… Nossa, Bianca, não sei se consigo passar por isso de novo. Os cabelos dela caindo, os enjoos, a perda de peso, a palidez.”

“Ela vai superar”, ela garante, virando para mim e segurando minhas mãos. “Porque você vai estar o tempo todo ao lado dela. E seu pai. E eu. E Bruna”, ela complementa, mas sinto que só por obrigação, como algo menos importante.

Todos os pensamentos que borbulharam dentro de mim no último mês vêm à tona. Sinto necessidade de falar. Porque tenho coisas a dizer a Bianca. Coisas que não sei como expressar, mas não importa, porque meu coração está transbordando de sentimentos — de tristeza pela minha mãe e por mim, mas não só. Coisas importantes.
E que só agora estou começando a entender.

“Bianca, eu preciso…”

“Você deveria ligar pra Bruna. Ela precisa vir pra cá”, Bianca diz, me cortando, então sorri. “Desculpa. Você primeiro.”

Mas minha coragem passou. Eu aqui tentando confessar que acho que posso… que sinto … E ela vem falar da minha namorada? Mas o pior é que está certa. Preciso mesmo ligar. Não só por Bruna, mas também porque acabei de trazer Bianca de volta pra minha vida. Não posso me arriscar a perder minha melhor amiga de novo quando nem tenho certeza do que se passa.

Então faço exatamente o que Bianca sugeriu. Pego o celular e ligo pra minha namorada. E tento com todas as forças soterrar os sentimentos que só podem causar problemas.

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