Gosto do meu trabalho. De verdade. E acho que sou bom no que faço, porque estão até dizendo que vou ser promovida.
Mas hoje?
Não estou conseguindo me concentrar em merda nenhuma.
Só olho para o relógio. Como uma daquelas pessoas que odeiam o trabalho e ficam verificando as horas o tempo todo só pra se decepcionar ao descobrir que passaram apenas cinco minutos. Só que a maioria dessas pessoas espera ansiosamente pelas cinco da tarde. O horário em que podem correr para o happy hour, a ioga, ou simplesmente ir para casa.
Esse horário não significa nada para mim. Quero que chegue logo as oito. Quando vou poder ver Rafaella Kalimann pelada.
O pensamento me enche de pavor, ou no mínimo pânico. Ela é minha melhor amiga. Isso é… errado.
Mas, depois daquele beijo, tive certeza de que a única coisa errada foi não ter pensado nisso antes.
Sexo sem compromisso com a garota mais gostosa que conheço, de quem não vou querer me livrar logo depois? É incrível.
Tento voltar minha atenção para o computador. Sou gerente de produto da equipe de e-commerce, uma das responsáveis pela seção masculina de golfe.
E adoro isso. É meio careta pirar tanto num emprego convencional, e jamais esperei que fosse acontecer comigo. Considerando que eu não sabia muita coisa sobre internet antes de vir para cá, muito menos sobre golfe, até que tudo rolou com bastante facilidade.Meus dias são gastos pensando em melhorias para essa seção do site e preenchendo os documentos necessários para implementar algo, começar a fase de testes e tal. Gerenciar o ciclo inteiro de determinado produto é bem gratificante, e não me arrependo de ter seguido meus instintos e desistido de cursar direito.
Apesar de meus pais terem ficado putos.“Quer ir comer um burrito?”
Gizelly está com as mãos apoiadas na divisória que separa nossos cubículos, apoiando o queixo na mão com cara de quem está morrendo de fome.
Olho para o relógio. “São onze e sete. Acabei de tomar café da manhã.”
“Fica muito cheio depois do meio-dia”, ele diz.
Abro a boca para argumentar, mas desisto. Dou de ombros e desligo o computador. Por que não? Não estou conseguindo fazer nada direito mesmo. Não com o sexo garantido desta noite.
Gizelly tem razão sobre o Burrito King — sim, esse é o nome do lugar. Ficamos só dois minutos na fila, em vez dos vinte de sempre.
“Vamos comer ali”, ela diz enquanto esperamos que nossa senha seja chamada.
“Ainda está evitando Sandy?”, pergunto. O grunhido dela me confirma isso.
Balanço negativamente a cabeça enquanto encho meu copo de coca. “Eu avisei. Você precisa parar de sair com garotas do trabalho.”
“E onde mais vou conhecer mulheres que ficam com mulheres? Nem todo mundo consegue entrar num bar e sair de lá com vinte números de telefone.”
Ignoro o comentário. Ela continua.
“Bom, eu não teria esse problema se você me deixasse sair com a Rafa…”
“Não”, interrompo antes que ela termine a frase.
“Mas ela está solteira agora.”
“Como é que você sabe?”
“Encontrei com ela no Starbucks outro dia. Acho até que me deu mole.”
“Acredita em mim: não deu, não.”
Rafaella considera Gizelly uma completa idiota, e dá pra entender por quê. Ela é uma das minhas melhores amigas do trabalho, mas tem a péssima mania de falar com as mulheres olhando para os peitos delas. Ela tem a manha de passar uma hora falando com uma mulher num bar e errar o nome dela depois de tudo isso. E ainda se pergunta por que não consegue o telefone de ninguém.
“Ei, por falar na Rafaella…”, Gizelly comenta.
Viro a cabeça na direção que ela indicou. Não é ela, mas Marcela. Ela parece sentir nossos olhares. Seu rosto se acende.
“Ela é muito gostosa”, Gizelly murmura enquanto caminhamos na direção daquela loira maravilhosa.
“Ei, comam comigo!”, Marcela diz, apontando para as cadeiras vazias em sua mesa. “Não tomei café da manhã e estava morrendo de fome. Rafaella achou cedo demais pra almoçar.”
Ela fez o convite a nós duas, mas sem tirar os olhos de mim, e me dou conta de que é a primeira vez que nos falamos sem Rafaella por perto.
Gizelly e eu nos sentamos, ela um pouco perto demais de Marcela, mas ela não parece se importar.
Dez minutos depois, já estou sentindo um clima esquisito no ar. Apesar das várias tentativas de Gizelly de falar com Marcela, ela sempre dá um jeito de direcionar a conversa para mim.
“Você estava nesse show, Bianca?”
“Bianca, isso não lembra aquele dia em que a gente…”
“Sei lá o que vou fazer no fim de semana. Você tem algum plano, Bianca?”
Marcela sempre foi paqueradora. Eu achava que era uma coisa da personalidade. Mas, agora que Rafaella não está por perto para dar uns cortes, começo a me perguntar se não tem algo mais.
Termino meu burrito e me recosto na cadeira. Gizelly tagarela sobre seu tio, que vai conseguir ingressos para o Super Bowl.
Olho para Marcela — não posso evitar, com ela me encarando desse jeito —, que abre um sorriso tímido e discreto. Retribuo por reflexo, mas uma coisa fica bem clara: Rafaella não comentou com Marcela o que combinou comigo. As duas são próximas. Apesar de não namorarmos, sem chance que Marcela ficaria dando em cima de mim se soubesse que eu veria sua amiga pelada em, hã, oito horas e dez minutos. Não que eu esteja contando nem nada do tipo.“Ei, Andrade. Está viajando?”
Olho de novo para Gizelly, que me encara impaciente.
“Desculpa, o que foi?”
“Eu estava dizendo que podemos ir os quatro naquele karaokê que meu primo falou, na sexta. Marcela está livre, e você consegue convencer a Rafaella a ir. Que tal?”
Ela me lança um olhar informando que está recorrendo ao código de ética da amizade lésbica para me obrigar a dizer sim. Sou obrigada a morder a língua para não perguntar qual das duas garotas vai ser o alvo de seus esforços na sexta à noite.
Mesmo assim, preciso confessar que adoro karaokês, e ela tem razão: com certeza consigo convencer Rafaella a ir, porque ela adora cantar. Depois de uma ou duas taças de champanhe, ninguém tira o microfone da mão dela.“Claro, por que não?”, respondo.
O sorrisinho de Marcela se escancara, e tenho a primeira impressão de que meu acordo com Rafaella tem potencial para ser um pouquinho mais complicado do que imaginava.
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Bom dia ☺️
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Apenas amigas?
FanfictionSerá que vale a pena arriscar uma grande amizade em troca de um amor inesquecível? Aos vinte e dois anos, a jovem Rafaella Kalimann leva a vida que sempre sonhou. Tem uma namorada inteligente e responsável, um emprego promissor e a companhia de sua...