Bianca

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Rafaella fica em silêncio na maior parte do caminho de volta para casa. Na verdade, isso não me preocupa, porque não temos problemas com o silêncio uma da outra. Mas ela ficou quieta durante o jantar também, o que não é normal.

“Falar ou calar?”, pergunto.

“Hã?”

Eu a observo mais atentamente. “Você está esquisita.”

Ela me lança um olhar no carro quase às escuras. Sua expressão é indecifrável, o que me preocupa ainda mais. Não sou muito boa em muitas coisas, mas sempre entendi o que Rafaella está sentindo.

É isso que acontece quando você divide uma casa com sua melhor amiga. Começa a conhecer a garota tão bem quanto a si mesma. Até melhor.

“Vai sair hoje à noite?”, ela pergunta.

Encolho os ombros. “Não sei. Por quê, quer ir?”

Fico torcendo silenciosamente para que diga não. Não porque não quero passar mais tempo com ela, mas porque estamos saindo juntas com frequência ultimamente e, apesar de ser divertido — na maior parte do tempo —, uma noite mais tranquila não cairia mal. Ficar com Parks no sofá vendo alguma porcaria na TV ou um filme idiota parece bem mais interessante que me arrumar para falar com desconhecidas.
E uma das obrigações de quem tem uma melhor amiga, é ajudar a conhecer alguém quando ela pede.

Só que também sinto que preciso ser protetora. Rafaella ia me matar se soubesse, mas a acompanho nas noitadas mais para garantir que não termine com nenhuma cretina do que para achar uma garota legal para ela. Então, não, eu não quero sair esta noite. Mas, se ela for, vou junto.

“Não, acho que vou ficar em casa”, ela diz. “Estou com a barriga cheia demais para usar qualquer coisa que não seja uma calça de elástico.”

“O segundo prato de lasanha te deixou com peso na consciência?”, pergunto, relaxando um pouco agora que ela não está mais quieta e esquisita.

“Olha quem fala, a que comeu três.”

Bato na minha barriga. “Eu jamais ofenderia sua mãe comendo uma quantidade menos que obscena.”

A mãe de Rafaellabcozinha bem, mas a questão não é a qualidade da comida, e sim o fato de ser caseira. Não sinto saudade de muitas coisas de casa, mas da comida sim. É claro que os jantares em família na minha casa não são tão agradáveis como os dos Kalimann.

Nunca soube o que era pior: os sermões que ouvia quando sentava à mesa da minha mãe ou os silêncios constrangedores que meu pai tentava quebrar puxando conversa conosco quando éramos crianças.

Rafaella ficou quieta de novo. Dessa vez, eu a deixo sossegada.

Quando chegamos em casa, vamos para a cozinha — ela para pôr as sobras na geladeira, eu para pegar um copo d’água.

Com base em seu silêncio, imagino que vá se trancar no quarto, mas em vez disso ela se senta à mesinha da cozinha, batucando no tampo e olhando para pontos aleatórios na parede.

Reviro os olhos, sirvo um copo d’água para ela e me sento do outro lado da mesa.

“Desembucha.”

Ela me encara e contorce os lábios. Percebo que está tentando decidir se fala ou não.

“Certo.” Levanto as mãos. “Já cumpri minha obrigação de melhor amiga. Não vou ficar
implorando pra você falar. Se quiser ser bajulada, pode ligar pra Marcela.”  Sou uma boa amiga, mas minha paciência tem limites.

Ela me segura pelo pulso quando tento me afastar.

“Quero falar uma coisa com você.”.

“Ai, meu Deus”, resmungo, realmente irritada com o ataque de criancice.

Apenas amigas?Onde histórias criam vida. Descubra agora