Rafaella

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Fingimos que nada mudou. Que a noite passada não foi ao mesmo tempo incrível e esquisita. Mas a viagem de volta a Portland é carregada de uma tensão que nunca senti entre nós. Ainda conversamos. Ainda discutimos sobre o que ouvir no rádio. Ainda fazemos o jogo das placas de carros, cada uma tentando ser a primeiro a lembrar uma palavra que contenha todas as letras da chapa à frente. Mas não consigo parar de pensar em ontem à noite. Sobre o que aconteceu ter sido importante de alguma forma.

Quando enfim estacionamos diante da garagem de casa, fico aliviada. Preciso de um tempo sozinha para pensar. Para tentar descobrir o que achar do passeio de mãos dadas na praia e do sexo com intimidade que veio depois.

No entanto, toda a minha intenção de ter um tempo para mim mesma se evapora no momento em que Bianca para o carro e vejo uma garota sentada nos degraus da frente.

Minha mente congela. Em meio ao zumbido nos ouvidos, consigo ouvir Bianca murmurar: “Puta merda…”.

É Bruna.

Ela está sentada na frente de casa e nos observa descer do carro com uma expressão indecifrável.

Bianca pega nossa bagagem no banco de trás, colocando minha bolsa em um dos ombros e sua mochila no outro.

Bruna levanta, e a forma como encara Bianca sem dúvida nenhuma é cautelosa. Uma rápida olhada me diz por quê. O sorriso habitual está bem longe de passar por seu rosto. Toco o braço de Bianca, pedindo que se acalme. Seus olhos encontram os meus, e sua expressão é raivosa. Ela respeita meu pedido, apesar de não concordar, fazendo um simples aceno de cabeça em cumprimento para Bruna, ainda com a cara fechada.

“Oi, Bianca.” Bruna sai do caminho para que passe. Se não tivesse feito isso, teria levado um encontrão, tenho certeza.

“Estamos chegando agora de Cannon Beach”, explico, movida pela clara necessidade de dizer alguma coisa.

“Ah.” Ela abre um sorriso tenso enquanto me observa. “Tenho boas lembranças daquele lugar. A maioria envolve entrar escondido no seu quarto no meio da noite.”

Bianca enfia a chave na fechadura, claramente ouvindo a conversa, porque seus ombros ficam tensos.

Não. Não! Isso está mesmo acontecendo?

Em termos racionais, sei que Bruna não pode estar dizendo aquilo para Bianca.
Ela não tem como saber sobre ontem à noite. E fica óbvio pela expressão ligeiramente desesperada em seu rosto que é só uma tentativa de me lembrar dos bons tempos. Mas só sinto uma estranha vontade de ir atrás de Bianca. De dizer que sim, Bruna entrou no meu quarto uma vez ou outra, mas isso foi antes… antes…

“O que está fazendo aqui?”, pergunto a Bruna, de repente irritada com sua presença.

Ela se encolhe um pouco, provavelmente por causa do meu tom nada empolgado.

“A gente pode conversar?”

Viro mais uma vez para Bianca, só para ver quando bate a porta sem nem olhar para trás. Levo os dedos à testa, sentindo uma dor de cabeça surgir do nada.

“Claro.”

O que mais eu poderia dizer para a garota que namorei por cinco anos? Apesar de ter levado um fora dela?

Sento no degrau. Bruna franze a testa, confusa, provavelmente pelo frio. Conversar dentro de casa faria muito mais sentido. Mas não quero as duas no mesmo ambiente. E não sei se quero Bruna na minha casa antes de ouvir o que ela tem a dizer.

“Hã, certo”, ela fala, sentando ao meu lado, mas sem encostar em mim. “Então Bianca foi com você para Cannon Beach?”

“Foi.”

Apenas amigas?Onde histórias criam vida. Descubra agora