Bianca

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Quando Rafaella entra em casa, estou vendo TV, mas sem prestar atenção.

Ranjo os dentes, irritadíssima comigo por ter mencionado Bruna ontem à noite. É como se eu tivesse evocado a presença da desgraçada dizendo seu nome em voz alta.
Porque não faz sentido. Depois de três semanas sem ninguém nem pensar na vagabunda ela aparecer sentada na minha casa, para falar com a minha …

Melhor amiga.

Escuto a porta da frente se fechar com um clique suave e fico toda tensa, com os ouvidos apurados à espera do som de um segundo par de pés indicando que Bruna foi convidada a entrar.

Quando Rafaella aparece sozinha na sala, solto um suspiro baixo de alívio, mas sem tirar os olhos da TV, pra não dar bandeira.
Não quero que ela perceba… Porra, nem eu sei o quê.

Só quando Rafaella senta ao meu lado e solta um suspiro profundo viro em sua direção, colocando a TV no mudo.

“Falar ou calar?”, pergunto, recorrendo ao nosso velho esquema. Porque, apesar de uma parte de mim ter vontade de sacudir Rafaella e arrancar cada detalhe do que Bruna disse, ela é acima de tudo minha amiga, e tenho que apoiar a garota. Mesmo que seja em silêncio.

Ela respira bem fundo outra vez.

“Bruna quer voltar.”

Essas palavras me machucam um pouco, apesar de eu estar preparada para elas. Afinal, por que mais a babaca ficaria sentada na frente de casa feito uma idiota, fazendo depois um comentário só para mostrar que era ela quem costumava entrar escondida no quarto da Rafaella nas viagens da família dela?

E é isso que me incomoda de verdade. A consciência de que, além de eu ter funcionado como um estepe na viagem, tive a mesma função na cama de Rafaella ontem à noite.

E eu aqui romantizando a coisa toda feito uma otária, enquanto para Rafaella era só mais do mesmo.

“Como você se sente em relação a isso?”, me obrigo a perguntar. Como se sente em relação a ela?, penso.

Ela joga a cabeça para trás no sofá, parecendo exausta. O que, imagino, é melhor que ficar toda alegrinha com o fato de que ela finalmente percebeu que estava sendo uma idiota. Mas seria melhor se ela estivesse um pouco mais irritada, num clima mais “nem por cima do meu cadáver”.

“Sei lá”, Rafaella diz. “Estou… achando tudo muito esquisito e confuso.”

Então ela vira para mim, olhando nos meus olhos de verdade pela primeira vez desde ontem à noite. Fico com a sensação de que quer me perguntar alguma coisa, mas não sei o quê. E, mesmo que soubesse, não saberia responder.

“Você vai saber o que fazer, Rafs.” Só consigo dizer isso.

“Acha mesmo que eu deveria voltar com ela?”

Caramba, que pergunta!

“Acho que você deve fazer o que estiver a fim”, respondo, cautelosa.

Ela me dá um tapa no peito. “Para com isso. Preciso de ajuda, droga. Você é minha amiga.”

Abro um sorrisinho, porque talvez as coisas não tenham mudado tanto entre nós no fim das contas. Talvez a noite de ontem tenha sido só algo que acontece de vez em nunca. Um momento de fragilidade, ou sei lá o quê.
Não existe motivo para não voltarmos a ser como antes, com as brincadeiras constantes. Mesmo se ela voltar com Bruna. Talvez seja exatamente disso que a gente precisa para retomar a antiga rotina. Quando nossos fins de semana envolviam visitas inofensivas à IKEA , e não viagens à praia que terminavam com sexo incrível.

Apenas amigas?Onde histórias criam vida. Descubra agora