Bianca

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Já vi Rafaella chorar um monte de vezes.

Quando o avô dela morreu. Quando a mãe descobriu que estava com câncer. Vendo filmes com animais sofrendo. Quando ela não acordou para fazer a prova final de geografia, no segundo ano de faculdade.
Quando bebeu vinho demais e confessou que a chuva a fazia chorar.

Independente de suas razões serem legítimas (filme triste, mãe doente) ou absurdas (a chuva), eu sempre fazia a mesma coisa.

Eu a abraçava. Passava a mão em seu cabelo. Deixava que ensopasse minha camiseta com suas lágrimas e lhe oferecia uma grande quantidade de lenços de papel.

(Ela não é do tipo que chora comedidamente.) Qualquer que fosse a causa, as lágrimas sempre me abalavam um pouco, como um aperto no meu peito que eu não sabia aliviar. É o que acontece quando qualquer outra garota chora na minha frente. Mas principalmente Rafaella. Porque ela é a minha garota.

A sensação esquisita no peito está aqui de novo. Mas acompanhada de algo diferente. Raiva.

Das outras vezes, eu não podia fazer nada quanto ao motivo do choro. Não tinha como impedir que seu avô morresse, ou controlar sua reação à chuva. Mas agora tenho opções.
Uma delas é encher Bruna Linzmeyer de porrada. E, no momento, é isso que quero fazer.

Não sou um garota violenta, em termos gerais. Mas, desde que a vi tentando sem sucesso conter as lágrimas sentada ao volante do carro, totalmente perdida e arrasada até quando a levei para casa e a sentei no meu colo no sofá, não pensei em mais nada além de enfiar a mão na cara de nerd riquinha da Linzmeyer.

Ela é minha amiga, claro. Gosto dela. Fico até meio chateada quando a raiva baixa e me dou conta de que não vamos mais nos ver. Mas a questão aqui não é Bruna. É Rafaella.

E ela a magoou. Por outro lado…
Estou irritado comigo mesma também.
Não estava me perguntando hoje mesmo se não tinha algo de errado com elas? Não poderia ter evitado isso? Talvez sim. Pelo menos devia ter dado o alerta. Merda .

As lágrimas parecem ter parado um pouco. Ela está toda encolhida, com a cabeça sob meu queixo, soluçando com um lenço de papel na mão. Faço menção de me afastar, mas paro quando ela agarra minha camisa.

Ponho a mão sobre a dela, acariciando-a com o polegar. Tenho vontade de dizer que aquela babaca não vale as lágrimas derramadas. Relacionamento nenhum vale, mas não é o que ela precisa ouvir no momento.

Mesmo assim, aperto sua mão e tento me afastar de novo.

“Você vai sair?”, ela pergunta.

“Bem rapidinho.” Dou um beijo em sua testa.

Ela me encara com os olhos vermelhos e inchados. “Estou estragando sua noite. Você ia sair.”

Aperto de leve seu joelho. “Não me obriga a criar uma regra da casa proibindo você de dizer bobagens.”

“Sou eu quem faz as regras. Não você.” Ela abre um sorriso fraco. Eu retribuo. Essa é minha garota.

“Só uns dez minutinhos”, digo, apertando seu joelho outra vez.

Pego minha carteira no balcão da cozinha e vou até o carro. Volto em um tempo recorde de oito minutos, com os suprimentos necessários.

Uma rápida olhada pela sala de estar confirma que ela ainda está no sofá, mas deitada de lado.

Procuro nos armários da cozinha, mas não consigo encontrar as taças de champanhe. Juro que a gente tinha umas dez, só que é uma casa de solteiras de vinte e poucos anos. Cristais finos não duram muito tempo aqui. Tenho que me contentar com umas taças grossas de vidro. Tiro a rolha da garrafa e encho uma quase até a boca.
Volto para a sala, onde Rafaella torna a sentar.

Apenas amigas?Onde histórias criam vida. Descubra agora