Rafaella

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Então.

Bianca e Marcela terminaram.

Se é que dá para dizer que em algum momento estiveram juntas .

“Não faz o menor sentido”, Marcela diz, batendo a caneta furiosamente contra o caderno, sentada ao meu lado na sala de reuniões. “A gente nem…” Ela olha ao redor da sala quase vazia. “Você sabe.”

Tento esconder a alegria que essa notícia me causa. Bianca e Marcela não foram para a cama. Não deveria fazer diferença para mim, mas mal consigo respirar.

“Vai ver ela tem mais respeito por você do que pelas outras garotas”, digo, caprichando na gentileza. “Sabe que você merece mais que só uma noite.”

A caneta acelera.

“Mas então por que terminar tudo? Tipo, ela não me vê nem como uma diversão temporária nem duradoura.”

Contraio os lábios.

“Me conta exatamente o que ela falou.”

Ela me olha de um jeito estranho. “Já falei duas vezes. Sinceramente, é você que deveria estar me dizendo coisas. Ela é sua melhor amiga. Me explica o que se passa na cabeça dela!”

Fico hesitante. Ainda não contei a Marcela que Bianca e eu não estamos nos falando, e estou um pouco surpresa por ela não ter percebido, na verdade. Assim como Bruna. Fico indignada. Nunca me senti tão sozinha, tão perdida, e duas das pessoas mais próximas de mim nem se dão conta. E a pessoa que deveria ser a mais próxima de todas — minha melhor amiga — não pode nem ser considerada isso no momento.

“Ela só falou que mereço mais”, Marcela diz, encolhendo os ombros, depois que se torna óbvio que não tenho nada a acrescentar à conversa. “Não sei o que isso significa”, ela continua. “Mais o quê ? Então começou a falar sobre trabalho, família, e um papo de que o irmão mais velho ganhou um prêmio de serviço público que ela nunca vai ganhar, e um monte de outras coisas, mas eu só conseguia pensar: espera aí, então quer dizer que não vamos nem transar?”

Marcela está sentada à minha direita, e escuto um suspiro dramático à minha esquerda. Viramos para lançar um olhar de irritação na direção de Flay. Tarde demais, percebo que nossa conversa, que começou com sussurros, foi aumentando de volume à medida que Marcela se mostrava mais e mais chateada.

Flay confirma que ouviu tudo soltando um comentário ácido: “Vocês sabiam que existem lugares melhores que a sala de reunião para falar sobre a vida amorosa?”.

Marcela levanta um dedo, e não sei se está entrando ou não no modo diva, mas eu o abaixo com um gesto discreto.

“Você ouviu muita coisa?”, pergunto a Flay.

Ela não parece nem um pouco envergonhada quando vira pra gente, então dá uma olhada para se certificar de que nossa chefe ainda não chegou e que as duas únicas outras pessoas presentes estão no canto oposto da mesa gigantesca, uma falando ao telefone, outra aparentemente jogando palavras cruzadas on-line.

“Vocês estão falando sobre Bianca Andrade, certo? A amiguinha da Rafaella?” Nem Marcela nem eu confirmamos, mas ela prossegue mesmo assim. “É óbvio o que está rolando com ela. Complexo de inferioridade.”

Solto uma risadinha de deboche. “Você cruzou com ela aqui no prédio da empresa o quê? Cinco vezes?”

“E em todas as vezes que ela acompanhou você nos happy hours e em outros eventos. Tenho que me ocupar com alguma coisa enquanto vocês me ignoram, então fico observando tudo.”

Sinto uma pontada de culpa. Flay é tão irritante que nunca me dei conta de que podia se sentir excluída. De fato, não sei se todo mundo a exclui por ser irritante ou se ela age de modo irritante por se sentir excluída.

“Ela acabou de ser promovido, né?”, Flay confirma.

Marcela arregala os olhos. “Desde quando você vem escutando nossas conversas?”

Flay dispensa o comentário com um gesto. “Desde sempre. Vocês falam muito alto e parecem não perceber que as divisórias dos cubículos só chegam até o peito. E não são exatamente à prova de som. Enfim, então Bianca foi promovida há pouco tempo e se recusa a contar para as pessoas, ou seja, ela acha que não merece. Além disso, depois de galinhar por aí, finalmente encontrou alguém legal…” Flay lança um olhar cético na direção de Marcela. “Então termina tudo porque acha que ela merece mais…” Fico olhando para ela, com os pensamentos a mil. Flay dá de ombros mais uma vez, muito convencida. “Como eu falei, complexo de inferioridade. Ela acha que não serve pra nada, que não merece nada de bom.”

Marcela começa a esbravejar com Flay, dizendo que deveria cuidar da própria vida, mas eu me recosto na cadeira e começo a pensar em tudo o que ela falou. Ela nem conhece Bianca, mas pode estar certa.

Ai, meu Deus .

A briguinha de Marcela e Flay é interrompida pela chegada da nossa chefe, e tento me concentrar na reunião. De verdade. Mas as palavras de Flay ficam se repetindo na minha mente. Bianca acha que não serve pra nada, que não merece nada de bom . De repente começo a repassar tudo o que aconteceu. O fato de negar ser merecedora da promoção. Sua recusa a contar para as pessoas. Então me dou conta de que ela se fecha em si mesmo toda vez que vai visitar sua família perfeita. Penso que tira o foco de todas as coisas importantes que faz, se concentrando em brincadeirinhas sobre suas habilidades em Call of Duty e suas proezas na cama. E, o pior de tudo, penso na briga que tivemos na véspera da minha mudança. Quando ridicularizei a ideia de que ela poderia namorar. Minha reação foi uma resposta ao choque — talvez ao ciúme —, mas e se Bianca tiver compreendido de outra forma?
E se achar que não penso que seria uma boa namorada? E se ela achar que não acredito que ninguém ia querer namorar com ela?

Esses pensamentos deixam meu coração apertado, porque estamos brigadas no momento. Sei que Bianca se importa com minha opinião, assim como eu com a dela.
Eu sou — ou era — importante para Bianca, e falei que ela só servia para pegação e mais nada. E esse lance com Marcela… Será que Bianca não se acha boa o suficiente pra ela?
Quanto mais penso no assunto, mais me irrito, porque Bianca seria uma companheira incrível para qualquer uma .
Ela é o máximo . Mas, quando começo a me empolgar, vem o desânimo.

Houve um tempo em que eu poderia defender Bianca. Ser a pessoa que a procuraria neste exato momento e faria um monólogo animado sobre estar sendo uma idiota, e sobre como seria uma enorme sorte para qualquer garota ser sua namorada.
Eu poderia ter feito isso na época, mas as coisas mudaram. Porque tenho medo de acabar dando com a língua nos dentes. De dizer o que não devo.

Tipo que eu quero ser essa garota.

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