Rafaella

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Passei o dia inteiro de ressaca ontem. Foi praticamente uma benção. Fiquei tão ocupada com a dor de cabeça e o enjoo que mal tive tempo de pensar no pé na bunda.
Mas hoje é segunda-feira. Como se já não fosse ruim o suficiente, acordo me sentindo um lixo. Não por causa da ressaca, que passou depois de um domingo com muita bolacha água e sal e isotônico.
Hoje o incômodo não é físico. São meus sentimentos que estão abalados. Estou tão desanimada que até aceito ir com Bianca para o trabalho.

Em geral faço questão de ir com meu carro, porque o dela é uma monstruosidade que bebe litros e mais litros de gasolina. (Bianca é do Meio-Oeste, e provavelmente ouvia sobre gado de corte e de leite quando pequena, em vez de hortas orgânicas e compostagem, como eu.) Mas hoje minha mente não está muito ativa, e preciso preservar os poucos neurônios que me restam para a reunião semanal do departamento. A equipe júnior se reveza nas apresentações para a equipe sênior. Como somos oito na base da pirâmide, preciso fazer isso apenas uma vez a cada oito meses.
E, com a minha sorte, é óbvio que minha vez é hoje.

“Você vai arrasar”, Bianca diz, saindo da garagem de casa e arrancando tão depressa que quase bato a cabeça no encosto. Olho feio para ela, mas discretamente. Bianca sempre diz esse tipo de coisa, toda confiante, mas o que não percebe é que nem todo mundo se sente tão à vontade lidando com pessoas.

Apesar de eu ter sido melhor aluna e de ter me dedicado mais a arrumar um emprego, Bianca se dá muito melhor no mercado de trabalho que eu. Não por causa de suas notas, não por conhecer bem um assunto específico, mas porque sabe se comunicar.
Com qualquer um, não importa o assunto.
Acho até que ela conseguiria convencer um bebê de que não precisa de leite e um cachorro de que não gosta de carne, se fosse preciso.

Quanto a mim, uma apresentação simples já requer esforço. Consegui fingir que estava à vontade quando ensaiei, com a cabeça em ordem. Não é o caso hoje.

Vendo que não respondo, ela me olha. “Está tudo bem?” Seu tom de voz é casual, mas a preocupação é visível em seus olhos. Provavelmente porque chorei no ombro dela sábado, fiquei bebaça e passei o domingo trancada no quarto, abrindo a porta apenas para pegar as bolachas que ela me levava.

Não foi exatamente um dos meus melhores momentos. Mas Bianca me conhece. E sabe que, se for legal demais , vou começar a chorar de novo.

“Tudo bem”, digo, virando a cabeça para a janela.

Ela assente. “Então não vai ter um chilique quando eu disser que tem um negócio branco na sua blusa?”

Olho para baixo e solto um palavrão quando vejo um padrão elaborado de desodorante no tecido preto.

“Proteção invisível porra nenhuma”, resmungo, tentando limpar inutilmente com a mão.

Bianca aponta com a cabeça para o assento de trás. “Tem uma toalha na minha mala de ginástica.”

Lanço um olhar de desconfiança para ela.

“Está limpa.”

“Provavelmente graças a mim e à minha mania de lavar roupa”, murmuro, soltando o cinto de segurança e me virando no banco para abrir a mala dela.

A primeira coisa que meus dedos encontram é uma pote grande, roxo e com formato sugestivo. Balanço o lubrificante na cara dela. “Sério?”

Bianca dá de ombros. “Nunca se sabe.”

“Foi isso que eu quis dizer quando falei em ser mais parecida com você”, digo, me virando de novo para devolver o frasco. “Está sempre pronta, em qualquer lugar. Até na academia, pelo jeito.”

“A academia é o melhor lugar pra isso”, ela responde. Eu me debruço de novo sobre o assento.

“Sério?”

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