Capítulo 12

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(AGORA)

Quando paro na rua de Sther, irmã do Patrick
vejo o carro dele estacionado na garagem. Mas parece que, fora sua irmã e o marido, somos os únicos aqui. Eu me sinto aliviada.

Sther teve o filho ontem de manhã. Um parto em casa. Na verdade, é o primeiro menino na família de Patrick desde o nascimento dele.
Sther é a única irmã de Patrick que vive em Connecticut.

Cathy mora em Chicago com a esposa. Ainsley é advogada e está sempre se mudando. Ela viaja quase tanto quanto Chy e Eric.
Às vezes sinto um pouco de inveja de seu estilo de vida despreocupado, mas sempre tive outras prioridades.


Patrick e eu somos bem presentes na vida das duas filhas de Sther. Além do tempo que passamos com elas aos domingos, de vez em quando levamos as duas a passeios ou ao cinema para dar algum tempo livre a Sther e seu marido. Suspeito que, com a chegada do filho, vamos passar ainda mais tempo com as meninas.

Adoro ver Patrick com elas. Ele é brincalhão e ama fazê-las rir. Mas também está sempre preocupado com o bem-estar  físico e mental das duas. Responde a todo “Mas por quê?” com paciência e honestidade. E, embora ainda sejam crianças, ele as trata como iguais. Sther brinca que, toda vez que saem com a gente, elas começam cada frase com: “Mas o tio Patrick disse...”
Amo tanto o relacionamento que ele tem com as sobrinhas, e vê-lo com o pequeno bebê me deixa ainda mais emocionada em testemunhar seu papel de tio. Ocasionalmente, em momentos como esse, me deixo levar e imagino o excelente pai que seria, mas me recuso a deixar nossa situação deprimente manchar sua experiência com a família.

Então visto minha máscara de felicidade e me certifico de nunca permitir um vislumbre de tristeza.
Ensaio o sorriso no retrovisor. Sorrir costumava ser natural para mim, mas, hoje em dia, quase todo sorriso em meu rosto é falso.
Quando chego à porta da frente, não sei se toco a campainha ou apenas entro. Se o bebê ou Sther estiverem dormindo, vou me sentir péssima em acordar alguém. Empurro a porta, e a entrada da casa está silenciosa. Ninguém está sentado na sala de visitas, embora haja embrulhos ainda fechados enfileirados no sofá. Atravesso a sala e deixo meu presente e de Patrick na mesinha perto do sofá.

Caminho em direção a uma cozinha silenciosa, e então ao refúgio onde Sther e a família passam a maior parte do tempo. É uma expansão, adicionada à construção logo depois do nascimento da sua primeira filha. Metade do cômodo é usado como sala de estar; a outra metade, como uma sala de jogos para as meninas.
Estou quase lá, mas paro à porta assim que vejo Patrick. Ele está de costas para mim, perto do sofá, segurando seu novo sobrinho, embalando nos braços o recém-nascido embrulhado em um cobertor.

Suponho que, se nossa situação fosse diferente, esse seria um momento de pura adoração por meu marido, observá-lo ninar o sobrinho bebê. Em vez disso, sinto uma dor por dentro. Me pergunto em que ele está pensando neste instante. Será que uma pequena parte de Patrick se ressente por eu não ter sido capaz de lhe proporcionar um momento assim?

Ninguém pode me ver parada ali, já que Patrick está de costas para mim e estou fora da linha de visão de sua irmã, provavelmente sentada no sofá. Ouço sua voz quando diz:

— Você nasceu para isso—
Observo a reação de Patrick a suas palavras, mas ele não demonstra nenhuma.  Apenas continua a olhar para o sobrinho.
Em seguida Sther fala algo que me faz segurar a parede a minhas costas.
— Você seria um ótimo pai, Patrick. — As palavras cruzam o ar e me atingem na outra sala.

Tenho certeza de que ela nunca diria isso se soubesse que eu podia ouvi-la. Espero a resposta de Patrick, curiosa se ele sequer tem uma.
Ele tem.

— Eu sei — retruca em voz baixa, olhando para Sther. — Fico arrasado que ainda não tenha acontecido—
Levo a mão à boca, porque tenho medo do que pode acontecer caso não o faça. Talvez soluce ou chore ou vomite.

Estou no carro agora.

Dirigindo.

Não pude encará-lo depois daquilo. Aquelas poucas frases confirmaram todos os meus medos. Por que Sther tocou no assunto? Por que ele respondeu com tamanha franqueza, mas jamais me disse a verdade sobre seus sentimentos?

Foi a primeira vez que me senti como se desapontasse sua família. O que as irmãs falam para ele? O que a mãe diz? Será que o desejo de que ele tenha filhos é maior do que a torcida para que continue casado comigo?

Nunca analisei o assunto por essa perspectiva. Não gosto de como esses pensamentos fazem eu me sentir. Me sinto envergonhada. Como se, talvez, eu não esteja apenas impedindo Patrick de ter um filho, mas também privando sua família de amar uma criança que Patrick seria perfeitamente capaz de gerar se não fosse por mim.
Paro o carro em uma vaga para me recompor. Seco as lágrimas e digo a mim mesma para esquecer o que ouvi. Pego o celular na bolsa para enviar uma mensagem a Patrick.

O trânsito está péssimo. Diga a Sther que só vou conseguir dar uma passada lá amanhã.

Aperto enviar e me reclino no banco, tentando com afinco apagar aquela conversa da memória, mas a revivo repetidas vezes.

Você seria um ótimo pai, Patrick.

Eu sei.
Fico arrasado que ainda não tenha acontecido.

* * *
Duas horas depois, estou parada em frente à geladeira quando Patrick finalmente volta da casa de Sther. Quando estou estressada, costumo limpar a geladeira, e foi exatamente o que fiz na última meia hora. Ele coloca suas coisas no balcão da cozinha. As chaves, a maleta, uma garrafa de água. Caminha até mim e se inclina, me dando um beijo no rosto. Forço um sorriso e, quando o faço, percebo que aquele é o sorriso mais difícil que já precisei fingir.

— Como foi a visita? — pergunto a ele.

Ele estende a mão para dentro da geladeira, desviando-se de mim.

— Boa. — Ele pega um
refrigerante — O bebê é fofo—

Parece tão descontraído, como se hoje não tivesse admitido, em voz alta, que se sente arrasado por não ser pai.

— Você chegou a segurar o bebê?—

— Não..Ele estava dormindo—
Lanço um olhar para ele. Por que ele acabou de mentir para mim?

É como se as paredes internas de meu peito se incendiassem enquanto tento manter as emoções sob controle, mas não posso ignorar a declaração de que se sente arrasado porque ainda não é pai. Por que ele continua aqui?
Fecho a porta da geladeira, embora não tenha limpado as prateleiras laterais. Preciso sair da cozinha. Sinto muita culpa quando olho para ele.

— Vou trabalhar até tarde hoje à noite. Tenho muito trabalho atrasado. O jantar está no micro-ondas se estiver com fome. —
Vou até meu escritório. Antes de fechar a porta de vez, olho novamente para a cozinha.

As mãos de Patrick estão sobre o balcão, e sua cabeça pende dos ombros. Fica assim por quase um minuto inteiro, mas então se afasta com brusquidão, como se estivesse zangado com alguma coisa. Ou com alguém.
Antes de eu fechar a porta do escritório, ele olha em minha direção. Nossos olhares se encontram. Nós nos encaramos por alguns segundos, e é a primeira vez que o vejo como um completo estranho.
Não faço a menor ideia do que está pensando agora.
É nesse momento que eu devia lhe perguntar em que está pensando. É nesse momento que eu devia lhe confessar em que estou pensando. É nesse momento que eu devia ser honesta e admitir que, talvez, devêssemos abrir aquela caixa.
Mas, em vez de ser corajosa e enfim falar a verdade, canalizo meu covarde interior. Desvio o olhar e fecho a porta.
Continuamos a dança

Continua...

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