capítulo 29

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SEGUNDA CARTA.

Querida Ellen,
Vou começar esta carta com um pequeno pedido de desculpas.
Me desculpe por abrir novamente a caixa. Me desculpe porque precisei escrever outra carta. Mas penso que você vai ficar mais satisfeita que aborrecida com isso.
Ok, agora matemática. Sei que odeia matemática, mas eu amo e preciso fazer as contas com você. Faz exatamente um ano que decidimos começar uma família. O que significa que se passaram, aproximadamente, 365 dias entre aquele dia e o de hoje.

Desses 365 dias, fizemos sexo uma média de 200 dias. Aproximadamente, 4 noites por semana. Desses 200 dias, você estava ovulando em apenas 25% do tempo. Cerca de 50 dias. Mas as chances de uma mulher engravidar durante a ovulação são de apenas 20%. São 10 dias de 50. Assim sendo,pelos meus cálculos, do total de 365 dias que se passaram entre o dia que começamos a tentar e o dia de hoje, somente 10 desses dias contam. Dez não é nada.

É como se tivéssemos começado a tentar agora.
Só estou escrevendo isso porque percebi que você está começando a ficar preocupada. E sei que, quando ler essa carta, no 25º aniversário de nosso casamento, vamos estar a poucos anos de nos tornarmos avós e nenhuma dessas contas será relevante. Mas, assim como quero que se lembre dos dias bons, acho que talvez deva falar também um pouco de nossos dias não tão perfeitos.

Você está dormindo no sofá agora. Seus pés estão em meu colo, e, vez ou outra, todo o seu corpo estremece, como se você estivesse pulando em seus sonhos. Continuo tentando lhe escrever esta carta, mas seus pés esbarram em meu braço, fazendo a caneta rabiscar a página. Se minha caligrafia parece uma merda, a culpa é sua.

Você nunca dorme no sofá, mas foi uma longa noite. Sua mãe organizou mais um de seus sofisticados eventos de caridade. Esse até que foi divertido. O tema era inspirado nos cassinos, e havia mesas por toda parte onde se podia apostar. É claro, era tudo para caridade, então não havia vencedores de fato, mas foi melhor do que muitos eventos emproados em que temos que sentar à mesa na companhia de pessoas de quem não gostamos, e temos que ouvir discursos de pessoas que não fazem nada, senão contar vantagem.

A noite foi agradável, mas logo percebi que você se sentia sobrecarregada com as perguntas. Eram apenas conversas bobas, inofensivas, mas, às vezes, isso pode ser bem cansativo. Doloroso, até. Escutei, repetidas vezes, enquanto as pessoas perguntavam quando iríamos ter um bebê. Às vezes as pessoas simplesmente presumem que a gravidez acompanha o casamento.

Mas as pessoas não pensam nas perguntas que fazem aos outros, e não se dão conta de quantas vezes alguém já foi obrigado a responder a mesma questão.

Nas primeiras vezes em que lhe perguntaram, você apenas sorriu e disse que tínhamos apenas começado a tentar.

Mas na quinta ou sexta vez, seu sorriso parecia cada vez mais forçado. Comecei a responder por você, mas, mesmo assim, podia ver em seus olhos que as perguntas a magoavam. Eu só queria tirar você dali.

Essa noite foi a primeira vez que pude ver sua tristeza. Você é sempre tão positiva e otimista em relação a esse assunto, mesmo quando está preocupada. Mas essa noite você parecia exausta. Como se, talvez, essa noite fosse o último evento ao qual compareceríamos até que tivéssemos, de fato, um bebê nos braços.
Mas entendo. Também estou cansado dessas perguntas. Está acabando comigo ver você tão triste. Eu me sinto... imprestável. Odeio isso. Odeio não ter controle sobre essa situação. Odeio não poder consertá-la para você.

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