(AGORA)
— Gravidez ectópica cervical — explica ela. — Muito rara,Na verdade, a chance de uma mulher desenvolver esse tipo de gravidez ectópica é menos de um por cento.
Patrick aperta minha mão. Estou deitada na cama do hospital, não querendo outra coisa que não a saída da médica do quarto para que eu possa voltar a dormir. Os medicamentos me deixam tão sonolenta que é difícil prestar atenção a tudo o que ela está dizendo. No entanto, sei que não preciso, porque Patrick está atento a cada palavra que sai de sua boca.“Repouso absoluto por duas semanas” é a última coisa que a escuto falar antes de fechar os olhos. É Patrick que ama matemática, mas sinto que serei eu a ficar obcecada com aquele menos de um por cento. As chances de engravidar depois de tantos anos de tentativas eram maiores que as chances de uma gravidez resultar em ruptura tubária.
— Qual foi a causa? — pergunta Patrick.
— A endometriose, provavelmente. — Ela dá mais detalhes, mas eu a ignoro. Inclino a cabeça na direção de Patrick e abro os olhos. Ele está encarando a médica, ouvindo a resposta. Mas posso notar a preocupação em seu semblante. A mão direita cobre a boca, a esquerda ainda segura a minha.
— Seria... — Ele abaixa o olhar até mim, e há tanta preocupação
em seus olhos. — Seria possível o estresse ter causado o aborto?.
— O aborto era inevitável com esse tipo de gravidez — responde ela. — Nada poderia ser feito para prolongá-la. Houve a ruptura porque uma gravidez ectópica não é viável.
Abortei há dezenove horas. Mas só nesse momento me dou conta de que Patrick passou as últimas dezenove horas se sentindo, de algum modo, responsável. Tinha medo de que o estresse de nossa briga fosse a causa.
Depois que a médica sai do quarto, deslizo o polegar em sua mão. É um pequeno gesto, e um bem difícil devido à raiva que ainda sinto, mas ele nota de imediato.
— Você tem motivos para se sentir culpado, mas eu ter abortado
não é um deles.
Patrick me encara por um momento com olhos vazios e a alma atormentada. Então solta minha mão e sai do quarto. Não volta por meia hora, mas parece que esteve chorando.
Ele chorou algumas vezes em nosso casamento. Na verdade, nunca realmente presenciei o choro até ontem, mas já o vi logo após acontecer.
Patrick passa as horas seguintes se certificando de que eu estou confortável. Minha mãe vem me visitar, mas finjo dormir. Chy liga, mas peço a Patrick para dizer que estou dormindo.Passo a maior parte do dia e da noite tentando não pensar em nada do que está acontecendo, mas, toda vez que fecho os olhos, me pego desejando, pelo menos, ter descoberto antes. Mesmo que a gravidez tivesse o mesmo desfecho, fico zangada comigo mesma por não ter prestado mais atenção a meu corpo e assim podido aproveitar enquanto durou. Se tivesse prestado mais atenção, teria suspeitado que estava grávida. Teria feito um teste. Teria dado positivo. E então, só uma vez, Patrick e eu conheceríamos a alegria de ser pais. Mesmo que fosse um sentimento fugaz.
É um pouco mórbido que eu estivesse disposta a passar por tudo isso novamente, se ao menos tivesse consciência de minha gravidez por um único dia. Após tantos anos de tentativas, parece cruel que nossa recompensa tenha sido um aborto, seguido por uma histerectomia, sem o atenuante de nos sentirmos pais, mesmo que por um momento.
Toda essa provação tem sido injusta e dolorosa. Mais ainda do que será minha recuperação. Por causa da ruptura e da hemorragia, os médicos precisaram fazer uma histerectomia abdominal de emergência, em vez de uma vaginal. O que significa um período de recuperação maior. É provável que continue no hospital por mais um ou dois dias antes de receber alta. Então vou ficar de cama por mais duas semanas.
Tudo parece tão indefinido entre nós. Não havíamos resolvido nada antes do aborto, e agora tenho a impressão de que a decisão que estávamos prestes a tomar fora colocada em suspenso. Porque não tenho condições de discutir o futuro de nosso casamento neste instante. Devem se passar semanas até que as coisas voltem ao normal.
Tão normal quanto as coisas podem ficar sem um útero.
— Não consegue dormir? — pergunta Patrick. Ele não saiu do hospital o dia inteiro. Apenas deixou o quarto mais cedo, por meia hora, mas então voltou e tem se dividido entre o sofá e a cadeira ao lado de minha cama. No momento, está ocupando a cadeira, sentado na beirada, esperando que eu responda.
Parece exausto, mas conheço Patrick e ele não vai a lugar algum antes que eu receba alta. — Quer beber alguma coisa?—Balanço a cabeça.
— Não estou com sede. — A única luz acesa no quarto é a que fica atrás de minha cama, e ela faz Patrick parecer alguém sob os holofotes
de um palco solitário.
Sua necessidade de me consolar está em conflito com sua consciência da tensão que existe entre nós há tanto tempo. Mas ele luta contra a tensão e estende a mão para a grade da cama.
— Se importa se eu me deitar com você? — Ele já desceu a grade e está se esgueirando para a cama comigo quando balanço a cabeça. Patrick toma o cuidado de me virar para que a mangueira do soro não fique esticada. Então se espreme ao meu lado, ocupando menos da metade da cama, e coloca uma das mãos sob minha cabeça, sacrificando o próprio conforto em meu benefício. Ele beija minha nuca. Uma parte de mim não tem certeza se o quero na cama comigo, mas logo me dou conta de que cair no sono em nossa tristeza partilhada é, de algum modo, mais reconfortante que dormir sozinha.
* * *
— Estou comprando uma passagem para casa — dispara Chy, antes mesmo que eu tenha a chance de dizer alô.
— Não, não faça isso. Estou bem.
— Ellen, sou sua irmã.
Quero ficar com você—
— Não — insisto. — Vou ficar bem. Você está grávida. A última coisa de que precisa é passar um dia inteiro no avião—Ela inspira fundo.— Além do mais — continuo —, estou pensando em visitar você. —É mentira. Não tinha pensado nisso até agora. Mas a iminência de passar duas semanas de cama me faz compreender o quanto vou precisar colocar algum espaço entre nossa casa e eu quando enfim me recuperar.
— Mesmo? É possível? Quando você acha que vai estar
liberada para viajar?.
— Vou perguntar à médica quando ela me der alta.
— Por favor, não diga isso se não estiver falando sério.
— Estou falando sério. Acho que
vai me fazer bem.
— E Patrick? Ele já não vai usar todos os dias de férias em sua recuperação?.
Não comento sobre os problemas de meu casamento com ninguém. Nem mesmo com Chy.
— Quero ir sozinha — digo. Não acrescento mais nada. Não lhe contei que Patrick pediu demissão nem sobre ele ter beijado outra mulher. Mas, pelo silêncio na linha, posso dizer que ela sabe que algo está errado. Vou deixar para explicar tudo quando estivermos cara a cara.
— Tudo bem — concorda ela. — Fale com sua médica e me avise quando tiver uma data.
— Ok. Amo você.
— Também amo você.
Depois de desligar, ergo o olhar da cama do hospital e vejo Patrick parado à porta. Espero ele dizer que não é uma boa ideia planejar uma viagem após ter passado por uma cirurgia. Em vez disso, ele apenas estuda a xícara de café em sua mão.
— Você vai visitar Chy?.
Não cita nós. Parte de mim se sente culpada. Mas sem dúvida ele entende que preciso de espaço.
— Só quando a médica me liberar. Mas, sim. Preciso vê-la.
Ele não ergue o olhar da xícara. Apenas assente de leve e pergunta
— Vai voltar?.
— É claro....
Não digo isso com muita convicção, mas há bastante certeza em minha voz para lhe assegurar de que não é uma separação. Apenas um tempo.
Ele engole em seco.
— Quanto tempo vai ficar fora?.—Não sei. Talvez umas duas semanas.
Patrick assente com a cabeça e então toma um gole de sua xícara enquanto sai pela porta.
— Temos algumas milhas no cartão. Me avise quando decidir a data, que compro sua passagem.Continua...
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(im)perfeições
FanfictionO casamento é tudo o que sonhavam, a parceria perfeita. Mesmo nos momentos difíceis, sabem que podem contar com o outro. Nenhum deles desiste do amor que sentem. Até que a primeira nota dissonante abala a sinfonia do casal. Até que Ellen parece esta...