Capítulo 28 - Ethan

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EEstávamos sentados numa das cabines do trem para Montreal.

Poderíamos ter pegado o trem direto para Ontário, mas Lorenzo dizia que tínhamos que confundi-los o máximo possível.

Não éramos, mas Luna e Ethan Castilho. Agora éramos Ava e Elliot Cooper. Os Castilhos acabaram de falecer num acidente de trânsito em Nova York. Agora os Cooper viajavam para Montreal e lá uma nova identidade nos aguardava.

Comecei a montar nosso acidente, passo a passo. Busquei também como andava as investigações no aeroporto, com os dois corpos encontrados.

Não havia muitas notícias de nada. As informações eram vagas e a polícia dizia que seguia investigando.

_ O que você acha da nossa vida agora Ethan?

_ Como assim? Não entendi.

_ Nós tínhamos uma vida relativamente, boa. Apesar do papai ser um pedófilo cretino, ele nos mantinha ao seu lado com um bom cala a boca e tinha a mamãe que quando não estava alcoolizada era a melhor mulher do mundo. E do nada, perdemos tudo.

_ Sente falta deles né. Eu sinto muito por você ter que viver nessa coisa, que é nossa vida agora Luna.

_ Me julgaria se eu dissesse que não sinto falta? Claro que, sinto falta da minha mãe quando eu era criança. Sinto falta dela, em parte da minha adolescência. Mas depois de crescida eu mais via minha mãe bêbada e conivente, do que de outra forma. Eu via uma mulher fraca e apaixonada que suportava e era cúmplice das merdas de um marido safado e pedófilo. E pior que mesmo depois de separada, ainda se submetia a ele.

_ Eu não te julgo, mas realmente não sei o que dizer. Pelas coisas que diz, acho que os piores anos quem passou foi você. Eu fui embora assim que pude, o Lorenzo não demorou e me seguiu. Só você ficou. Não tenho ideia do que você passou. Porque quando nos falávamos, você sempre parecia bem e soava feliz. Sempre tinha algo novo para contar. Um novo namorado, um carro novo, um show superlegal. Eu imaginei que as coisas eram, boas para você.

_ Ganhei uma viagem pra Aspem do papai, no dia que vi ele tocando em uma amiga minha da escola. Ela parecia assustada e chorosa. O papai ficou todo errado e sem graça e parecia pronto para qualquer coisa. Eu não sabia como reagir e ao invés de confrontar ele, apenas fingi que estava procurando-a para irmos ao shopping. Depois que ela saiu de casa, nunca mais falou comigo e os pais dela se mudaram de cidade. Uma semana depois ganhei a viagem. Eu devia ter avisado alguém ou feito alguma coisa... depois disso muitas coisas aconteceram e nunca mais tive coragem de levar ninguém em casa. Um tempo depois, ganhei o carro novo... foi o preço mais caro a se pagar... procurei a mamãe para falar sobre isso com ela. Sabe o que ela me disse? Que eu estava inventando histórias sobre a reputação do homem que eu deveria amar, honrar e respeitar. Que ele vivia num círculo de amigos e esses eram homens respeitáveis e que eu deveria me contentar com os presentes que ganhava. Nunca mais falei com ela sobre nada importante. Só pensava em me formar e me mudar para ficar com vocês. Então não ... não consigo sentir saudades deles. Era uma relação doentia e servil da parte da mamãe, nojenta e amoral da parte do papai. E eu no meio me sentia suja, usada e por vezes cumplice. Porque tinha medo e vergonha de dizer a alguém ou a vocês o que eu sabia, o que eles faziam, o que eu sofria.

_ Sinto muito não estar lá por você Luna. Mas se tivesse dito algo, qualquer coisa, eu teria voltado, ou teria te buscado. Eu faria qualquer coisa por você.

_ Eu sei. Sabia que sempre teria você e Lorenzo, mas não queria arrastar vocês para aquela coisa que estava vivendo. Vocês pareciam tão bem longe, tão mais feliz. E eu sabia que em pouco tempo era eu que estaria longe daquilo, eu só tinha que aguentar um pouco mais. E depois a dona Carmem já te sugava bastante. Você era o porto seguro da mamãe. Toda vez que você ligava e ficavam horas conversando, ela passava o mês todo centrada, tentando melhorar. Daquela vez que você sugeriu terapia pra ela, foi o melhor semestre da minha vida. Passamos o semestre todo na casa dela e todo tempo que ela ficou longe dele, ela não bebeu nenhuma vez. Um dia cheguei da faculdade e encontrei papai na sala. Mamãe estava com copo de vodca na mão e ele com um de uísque, percebi que tudo tinha voltado ao que era. Ele precisava dela para encobrir seu mal caráter e ele era o vício dela.

_ Imagino que foram tempos difíceis.

_ Foram. E eu não sinto falta deles. Tudo que eu sempre quis foi estar com vocês dois. E nessa vida louca que temos, o que mais fazemos é estarmos juntos, mesmo quando estamos separados. Nós cuidamos uns dos outros, nos preocupamos e acima de tudo nos amamos.

_ Lorenzo sabe desse desvio de caráter do papai?

_ Agora sabe. Antes eu tinha medo de contar. De vocês dois, ele era o que sempre explodia com facilidade. Tinha medo dele fazer uma bobeira e acabar enfiando os pés pelas mãos. Mas ele queria me levar para ficar com vocês. Ele disse que estava atrás de um lugar maior.

_ É verdade. Falamos muito sobre você ir para lá, mas a Carmem não queria que você fosse. Ela não achava que você deveria viver sozinha com dois caras solteiros, porque podíamos levar homens para casa e eles acabarem fazendo mal para você. Mas pensando em todas as merdas que nosso pai fez. Ele era o perigo. O engraçado é que sua mãe sempre me pareceu tão sensata, tão boa em conduzir as coisas. Eu a admirava tanto.

_ Por isso que dizem que as aparências enganam.

_ Ei você está bem?

_ Sim estou. Só queria que me entendesse. Que não me julgasse por não sentir falta deles.

_ Eu não te julgo. E se te serve de consolo, não sinto falta deles também. Talvez da Carmen, mas do nosso pai, não. Ele nos exibia como troféus, nos dava coisas boas, mas isso era tudo. Amor, carinho, presença nunca houve. A sua mãe ao contrário sempre esteve por perto, pelo menos nas minhas lembranças.

_ Você não está errado. Até minha adolescência, ela era maravilhosa, mas algo aconteceu e ela mudou. Acho que ela descobriu e aí o mundo dela caiu.

_ Vem cá. Vamos esquecer essas merdas e aproveitar a viagem senhorita Cooper.

Abracei minha irmã e a encostei nos meus ombros.

Doía saber que eu não estava lá por ela, doía saber que ela tinha presenciado tanta merda de quem deveria proteger ela.

Doía saber que o meu pai era um cara tão fodido.

Luna tinha razão, o agora era louco e imprevisível, mas também nos unia como cola e essa sensação de cuidar e ser cuidado era maravilhosa de se sentir.

Mulheres Poderosas I - DonnatellaOnde histórias criam vida. Descubra agora