Traição... O que ele tinha feito para merecer tudo aquilo... como se já não bastasse a separação recente dos pais, Luigi tinha que lidar com mais uma, precisava buscar forças, sabe-se lá onde, para olhar naqueles olhinhos pequenos, penetrantes, inconfundíveis e dizer que tudo tinha um limite e que Song tinha extrapolado todos os dele. "Como ela tinha sido capaz de expor a menina que mais apoiou sua entrada no grupo?", "Como ela teve coragem de se juntar ao Érick, que sempre os tratou tão mal?". Lembrou daquele versículo da Bíblia que diz que o amor suporta tudo e concluiu que então aquilo não era amor, pois a situação era, de todo, intolerável.
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A menina ainda tentou se explicar, a cabeça cheia com o sermão que levara na diretoria fazia com que ela embaralhasse as palavras, ela e Érick tinham levado suspensão de uma semana, mas aquele não foi, nem de longe, o maior dos castigos que poderia receber. O namorado falava com ela de maneira ríspida, ela tentava se defender, mas seu histórico não a ajudava...
- Song, eu não te entendo, não entendo como você pode ser tão, tão baixa!
- Luigi, eu sei que é difícil de acreditar, mas eu tenho uma explicação, eu juro!
- Você me acha muito bobo mesmo, não é? Eu não quero ouvir explicações, eu não quero mais nada que seja seu... Passa em casa depois para eu te entregar as coisas que você sempre deixa por lá... Nunca mais, Song, nunca mais me olha na cara!
- Luigi, por favor...
A cena não podia deixar de ser estranha... Aquela menina, antes tão firme e determinada, chorava sem forças para reagir. Aquele menino, conhecido pela timidez, acabava de gritar no corredor da escola e sair pisando alto, a cabeça levantada. Não olhou pra trás nenhuma vez, mas não chorar seria pedir demais. Encontrou seu amigo no outro corredor, era de um abraço que ele precisava.- João!!! Ela...
- Eu sei, eu sei, cumpadi... eu sinto muito!
- Eu não sabia de nada, João, eu juro!
- Você não precisa jurar, ma!
---"Você não precisa jurar"... Como aquela frase pesou seu coração. João, ainda abraçado e consolando o amigo, só pensava em Bento. Ele não precisava de explicações quando o assunto era Luigi, mas no irmão ele não acreditou... Pensava em como tinha sido injusto, em como aquela última semana havia sido dura com uma pessoa que nada tinha a ver com o ocorrido. As pessoas que deveriam apoiá-lo, todas elas tinham lhe virado as costas... Todas menos Poli e Ruth, o que ele até chegou a pensar ser pelo puxa-saquismo que elas sempre tiveram com o pianista.
Bento o perdoaria? João pensava enquanto tentava encontrar o irmão pela escola... "Se eu fosse ele, acho que não!"... A cabeça cheia de culpa e pensamentos negativos iam atormentando o cearense, enquanto percorria o pátio...
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Bento, diferente dos outros alunos, não ficou para ver o desfecho da história. Como nos outros dias daquela semana, saiu da sala assim que o ouviu o sinal e foi para casa o mais rápido que pôde. Uma satisfaçãozinha adoçava seu coração: àquela altura, todos já sabiam que ele nada tinha a ver com a mensagem no muro. Talvez a vida voltasse a ser como era antes.
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- Bento! Bento!
João entrava em casa agitado, vasculhando todos os cômodos, por fim, encontrou o irmão esquentando algo na cozinha.
- Bento! Que bom que eu te encontrei, preciso conversar com você... preciso... te pedir desculpa!
- Então agora você já tem as provas suficientes para acreditar em mim? - disse irônico
- Ben, eu sei que fui errado, sei que você deve estar bufando de raiva de mim! Eu no seu lugar estaria também.
- Raiva? Por que eu ficaria com raiva? Hein, João... Talvez por não ter mais celular, ou pelo meu melhor amigo ter me usado para se livrar de acusações, ou pela Kessya ter largado de mim... ou pior... deixa eu pensar... por ter sido acusado na frente da escola inteira de expor minha amiga e meu irmão! - essa última parte, falava aumentando a voz e dando muita ênfase à palavra irmão.
- Eu nem sei o que te dizer, ma! Eu errei feio. Eu não gosto de te ver com o Érick, eu sempre achei que ele pode te influenciar. Ele fica ocupando seu tempo, você quase não conversa comigo direito, quase não senta ali na sala para tocar alguma música comigo... Nesse sentido... eu tinha inveja do Érick.
- Você tá tentando virar o jogo e se fazer de vítima, é isso?
- Não, eu sei que não justifica o meu erro, mas eu achei sim que o Érick pudesse te convencer de mandar aquela conversa...
- Pois achou errado... Eu pensei que você me conhecia!
- Eu tô tentando, Bento, tô tentando te pedir desculpa!
- E eu tô tentando te desculpar... Sabe, João, a sua opinião é muito importante pra mim, o que você acha de mim é muito importante... Porque você é meu exemplo em tudo, porque você é o cara que eu mais amo no mundo... e por isso dói tanto! - João abraça o garoto que começava a chorar bem na sua frente
- Você é o cara que eu mais amo no mundo, meu irmão! Ninguém muda isso!Ruth entrou em casa estranhando o cheiro de queimado que vinha da cozinha, mas vendo seus sobrinhos ali abraçados, desistiu da bronca. "Macarrão a gente faz outro".
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No outro dia, na aula, alguém não conseguia disfarçar a inquietação:
- Poli, o que eu falo para ele? Estou com muita vergonha, não sei como quebrar o gelo e conversar.
- Amiga, é simples: vai lá, pede perdão, fala que você ficou nervosa com a situação , agiu por impulso e que quer que tudo volte a ser como era antes.
- Esse é o problema, Poliana. Não sei se quero que tudo volte a ser como era antes...
- O que? Eu não entendi.
- Não sei - falou susurrando - não sei se quero voltar a namorar o Bento, entendeu...
- Mais ou menos... Ué, mas então fala isso para ele, que quer que tudo volte ao que era antes, menos nessa parte do namoro.
- Pra você tudo é simples, né Poli?
- É isso ou passar o resto do ano emburrados e fugindo um do outro.
- Você tá certa!
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Na hora do recreio os Goulart estavam juntos no fundo da sala, a reconciliação tinha dado novos ares à relação dos dois e eles estavam mais juntos do que nunca.
- Eu tô te falando, macho! Eu sei das coisas... Antes da aula ela estava conversando com a Poli, hoje mesmo vocês voltam!
- Sei não, João... Ainda estou bem chateado e, além do mais...
- Disfarça, ela está vindo.
- João... Bento...
- Oi Kessya, você chegando e eu indo. - disse João enquanto corria na direção de Poliana.---
- Ben, eu acho que a gente precisa conversar...
- Eu... também... acho - a voz entrecortada mostrava o quanto a menina ainda era capaz de o deixar à flor da pele
- Eu errei com você, errei em duvidar de você... Eu estava confusa, queria defender minha amiga.
- Olha, apesar de ainda estar muito magoado, eu consigo te entender.
- Bento, você sabe que sempre foi o melhor amigo que eu tive, desde quando a gente brincava na comunidade, eu nem me lembro de um dia na minha vida sem ter conhecido você.
- Eu sei, comigo é o mesmo - disse ele rindo
- Por isso, eu não posso abrir mão de nós dois, digo, abrir mão de tudo o que a gente construiu junto. Leve o tempo que levar, eu vou lutar para recuperar sua confiança e poder te chamar novamente de... amigo!
Bento entendia a mensagem, afinal, todos aqueles anos de convivência permitiam que os dois lessem sinais um no outro.
- Você ainda pode, Kessya, ainda pode me chamar de amigo...
Ela o abraçou, mas era estranho. Aquele gesto que os dois já haviam repetido várias vezes agora parecia íntimo demais, parecia que eles não tinham direito de estarem ali naquele abraço. Era... desconfortável e, por isso, durou poucos segundos, os deixando vermelhos e sem graça.
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"Que loucura!" Bento pensava enquanto voltava a sentar-se em sua carteira para as próximas aulas do dia. Ele tinha abraçado de novo aquele corpo pequeno e delicado de bailarina, tinha sentido de novo o cheiro do shampoo dela, o cabelo macio tocando seu pescoço... Tudo o que Kessya era ainda o fazia suspirar, perder o chão debaixo dos pés. Mas agora eram amigos... Ele já havia experimentado a experiência de sair de uma grande amizade para um namoro, mas fazer o caminho inverso parecia muito mais desafiador.
Lembrou de uma daquelas músicas antigas que a Marluz ouvia num radinho à pilha enquanto faxinava a casa. "Como é que eu posso ser amigo de alguém que eu tanto amei?". Ele não sabia ainda a resposta, mas teria que encontrar a solução para essa pergunta tão difícil.
Chegando com mais um capítulo, rapaziada! Parece que essa parede fica cada dia mais alta, não é? Obrigada por todo o apoio!
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Parede de Papel
RomansaDizem que duas pessoas, quando se amam em segredo, estão separadas apenas por uma fina parede de papel. Basta um toque ou, até mesmo, um sopro, para que essa separação se desfaça em cinzas e o amor mostre suas chamas fulminantes. Uma fanfic de Kessy...