Quando Bento viu o jardim de entrada para o internato, pensou que talvez passar um ano trancado em um hospital não fosse algo tão penoso. Os pinheiros ainda enfeitados com motivos natalinos brilhavam em meio à neve branca que cobria tudo e dava um ar de filme de sessão da tarde que a gente assiste tomando sorvete enquanto os atores estão com camadas e camadas de roupa. Pegou o celular e ligou para a amiga, tinha prometido que não deixaria de contar nada do que acontecesse durante seu tratamento. Mostrou o jardim, o chafariz congelado, a rampa que levava aos quartos. Kessya estava empolgada com tudo o que via, o hospital era realmente enorme e bem equipado, sentia que o menino se recuperaria logo.
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A ideia de que o tempo passaria depressa, no entanto, foi logo dissuadida da cabeça do garoto. Num quadro de compromissos afixado ao lado de sua nova cama, descobriu que tinha terapia aquática todos os dias, de manhã, ainda por cima. Dormiu sua primeira noite com uma totalmente compreensível sensação de desânimo.
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Por chamada de vídeo:
- Alô?
- Oi, Kessya, terminei a primeira tarefa do dia...
- Bento, o que aconteceu com sua boca? Tá toda roxa, você está parecendo um vampiro... - a menina ria, mas estava preocupada.
- É, parece que os aquecedores das piscinas são bem fracos, nem sei o que doeu mais, se foram os exercícios ou ter que entrar naquela pedra de gelo.
- Nossa, Ben... se cuida, lembra de pedir "warm water" da próxima vez...
- Pedir o quê? - o menino tinha entendido, mas achou fofo vê-la arranhando um inglês e quis ouvir novamente.
- Água quentinha, morninha... sabe?
- Sei... Eu vou me lembrar disso na próxima... Minha tia está ligando, depois mais tarde eu retorno para saber como foi a aula e te contar dos outros tratamentos.
- Combinado!
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Os dias se seguiram assim, os dois sempre em ligações, contando novidades. Não foram poucas as vezes em que João ligou empolgado com algo do colégio e, logo depois de começar a contar soltou "a, ela já te falou, né ma?". E ela era a Kessya.
Bento chegava a achar engraçado, já era abril e os dois se falavam mais e estavam mais íntimos mesmo morando tão longe um do outro do que nos dois últimos anos.
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Por ligação de vídeo:
- Oi, Kess, boa noite... tudo certo por aí?
- Tudo certo, estou terminando a louça aqui...
- Ah, é mesmo, hoje é dia do Jefferson e da Brenda jantarem com vocês, né?
- Pois é...
- Nossa, dá pra sentir o cheiro daqui... kkkk
- kkkkk e você, já tá deitado?
- Tô, acredita que amanhã o enfermeiro chefe disse que a gente vai passear pela cidade?
- "A gente", você e ele?
- "A gente" tipo todo mundo, acredita?
- Nossa, que legal, vai ser como uma excursão!
- Pois é, mas pelo o que entendi, não vamos longe... Eles vão nos levar para ver uma apresentação de circo em um parque perto daqui e depois poderemos comprar alguma coisa nas feirinhas de comida.
- Que delícia, não esquece de gravar pra me mandar...
Sentados no sofá, Brenjeff observava a cena fazendo gestos de "que fofo", "vontade de apertar vocês dois"... Até que o irmão da menina não se conteve e foi para a cozinha participar da ligação.
- O Bonner e a Maju tão diferentes...
- O quê? - a menina não entendia nada da interrupção do irmão.
- Ah, oi, Jeff, saudades, cara! Como você anda?
- Bem... com muita saudade de você também, irmãozinho... Você volta mesmo só no fim de ano?
- Pois é, ainda tenho um processo grande até aposentar essas muletas...
- Vai passar logo, cara... Qualquer coisa a gente tá aqui, você sabe, não sabe?
- Muito obrigado, Jeff, vocês sempre foram minha família...
- Ai, parou a melação... eu quero entender o que você falou, Jê, de Maju e Bonner, eu boiei...
- Não, é que faz tempo que eu comento com a Brenda que vocês dois parecem apresentadores de jornal...
- Ué? kkkkk
- Boa noite! - Jefferson dizia com cara séria e olhando para a namorada que se levantava e também ia até eles.
- Boa noite! - Brenda respondia com o mesmo tom sóbrio. - Não perca hoje: na Ruth Goulart, Eric perde média em geografia depois de dizer que a Terra é plana, Poliana cria novo projeto para ajudar o CLL e toda turma se diverte. Vamos agora com o nosso representante internacional, Bento, diretamente de Boston.
Kessya e Bento apertavam a barriga de tanto rir, mas o casal não desistiu da brincadeira... Jefferson continuou, pegando a deixa da namorada:
- As manchetes de hoje são interessantíssimas, Kessya, aqui nos Estados Unidos a temperatura começa a ficar mais amena. No hospital descobriram que eu sou brasileiro e sempre me pedem para ensinar passos de samba ou jogadas de futebol, ignorando solenemente minha condição física. Hoje no almoço disseram que teria churrasco, mas, na verdade, serviram hambúrguer e salsicha grelhada. Volto daí com mais informações do Brasil.
Brenda e Jeff caiam na gargalhada com a brincadeira.
- Então quer dizer que vocês ficam imitando a gente? - Kessya dizia ainda enxugando os olhos de tanto rir.
- É muito divertido, maninha...
- É, vocês são fofos demais...
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Eles não chegaram a dizer na hora, mas ambos gostaram muito da brincadeira e não demorou para que as suas ligações passassem mesmo a ter um tom jornalístico em alguns momentos. O Jornal Internacional era, então, uma piada interna de família.
- Como você pode observar, Kessya, o circo teve tudo o que é preciso para encantar o público, desde palhaços muito divertidos e bem maquiados, até balões em formato de leões e elefantes.
- Realmente surpreendente, Bento. E sobre a feira culinária, algo chamou sua atenção como crítico gastronômico?
- A comida era bastante parecida com os food trucks que a gente encontra pelo mundo todo, nada que realmente merecesse destaque, a não ser, é claro, por esse donut de caramelo salgado e pistache, o nome não é muito chamativo, mas o sabor me surpreendeu bastante...
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Eles eram a prova de que o amor é também perseverança. Estavam presentes na vida do outro, apesar da distância, apesar das dificuldades. O amor é a intimidade que se constrói no cotidiano e os dois aprendiam isso a cada ligação no meio da tarde para falar que um passarinho entrou pela janela do quarto e assustou a Ms. Mirtes do leito 29 ou para falar de uma loja de tecidos que resolveu ajudar a comunidade e, confundindo o nome do comitê com o pedido de patrocínio, acabou mandando 5 caixas de fita lilás para artesanatos...
Era no dia a dia que o coração dos dois se fortalecia na certeza de que eram melhores juntos. Era na ausência que aqueciam seu coração pela ansiedade de estar novamente juntos. Era no simples, no singelo, no quase imperceptível, que eles se declaravam todos os dias.
Não há dúvidas, eles tinham aquilo que todos mereceriam ter: um amor que dura!
Um capítulo beeeeeeem fofinho para adoçar a semana!
Muito obrigada pelos votos e comentários, vocês são demais <3
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Parede de Papel
RomanceDizem que duas pessoas, quando se amam em segredo, estão separadas apenas por uma fina parede de papel. Basta um toque ou, até mesmo, um sopro, para que essa separação se desfaça em cinzas e o amor mostre suas chamas fulminantes. Uma fanfic de Kessy...
