Prólogo

6.9K 575 33
                                    

O dia estava chuvoso em Wrigthsville Beach, Carolina do Norte. Quando o verão chegava, era comum pancadas de chuva a tarde, mas justamente naquele domingo, a chuva caiu quase que o tempo todo. Vez ou outra, ela parava por alguns instantes, mas logo era possível ouvir os pingos grossos batendo contra a janela.
 
Há muito tempo, Kara estava sentada no sofá de sua sala lendo com Jimmy, seu cachorro, deitado aos seus pés. Em dias assim, ela fazia um chá, se aconchegava no sofá e deixava sua mente viajar em qualquer história que estivesse lendo. Embora gostasse mais de dias ensolarados para poder ir a praia, não podia dizer que odiava o tempo como ele estava.
 
Imergida na releitura de Orgulho e Preconceito, se assustou junto com Jimmy com o barulho alto de uma trovoada. Tirando os olhos das páginas de pólen, encarou a janela ao seu lado e então se deu conta que já estava anoitecendo.
 
O dia passou rápido!
 
— Está com fome, Jimmy? — passou a mão na cabeça do cachorro de pelos amarelos brilhantes. O animal balançou o rabo e a lambeu em resposta. — Agora que eu percebi que também estou.
 
Com um suspiro escapando dos lábios, colocou o livro de lado e pegou o celular. Dando uma olhada rápida, viu que tinha mensagens de sua irmã, sua cunhada e sua mãe perguntando se ela aparecia para o almoço do domingo. Ainda bem que as três sabiam que ela preferia ficar em casa quando o tempo estava daquele jeito. Mesmo assim, respondeu as mensagens para elas não ficarem preocupadas e imaginarem que a aconteceu coisas ruins. Não gostava de preocupá-las sem necessidade.
 
Após enviar as mensagens, abriu o aplicativo de delivery para pedir seu jantar. Era a única habitante da casa e não precisaria dividir comida com ninguém, mas isso não era um bom motivo para não pedir uma quantidade grande de postickers — Jimmy não contava, pois só comia ração e petiscos próprios para cães. Se sobrasse comida, comeria outro dia — nunca sobrava comida.
 
Levantando do sofá, se espreguiçou, em seguida, começou a alongar o pescoço. Ficou tanto tempo na mesma posição que seu pescoço estava doendo.
 
— Vem, Jimmy, vou por o seu jantar.
 
O cãozinho — que nem era pequeno — a seguiu alegremente até sua vasilha de comida que ficava em um canto da cozinha. Indo até o armário, Kara pegou o pote de ração e o serviu. Enquanto Jimmy comia, seguiu para seu quarto no andar de cima. Antes do entregador de comida chegar, dava tempo de tomar um banho.
 
Sem pressa alguma, foi tirando o conjunto de moletom que vestia, não demorou muito se encaminhou até o banheiro.
 
Sentindo a água quente bater contra sua pele, se lembrou que no dia seguinte teria um plantão longo no Hospital Geral de Seagate. Isso significava que antes de ir trabalhar teria que deixar Jimmy com sua mãe e que Alex a encheria de perguntas sobre ela não ter ido almoçar na casa da mãe no domingo.
 
Alex era uma irmã mais velha mais preocupada do que deveria, por mensagem ela não diria nada sobre sua ausência, mas pessoalmente perguntaria tudo. Parecia que ela esperava que respondesse que teve um domingo agitado, que saiu com alguém ou qualquer outra coisa que não fosse ficar em casa com seu cachorro lendo um livro e tomando xícaras e mais xícaras de chá.
 
Saindo do banho, vestiu seu roupão azul claro felpudo. Assim que retornou ao quarto, encontrou Jimmy a esperando como sempre. Ele era um companheiro e tanto, seu coração doía quando fazia plantões longos e ficava sem ele. Para não deixá-lo sozinho, o deixava com sua mãe, pois lá ele teria sua sobrinha, Ruby, para brincar com ele o dia inteiro.
 
Vestindo um pijama, viu seu cachorro sair correndo para fora do quarto. Num primeiro momento, franziu o cenho, Jimmy só fazia aquilo quando alguém estava na porta. Não estava esperando ninguém, raras vezes Alex, Sam ou sua mãe apareciam sem avisar. A comida costumava a chegar rápido, mas não tão rápido daquele jeito, além disso, o entregador tocaria a campainha.
 
Por confiar muito em Jimmy, saiu do quarto e desceu as escadas quase correndo. Ao chegar na sala, viu seu cãozinho farejando em baixo da porta enquanto arrastava as patinhas dianteiras sobre ela. Ludibriada pela sua fome, cogitou que o entregador bateu na porta, ela não ouviu, mas Jimmy sim e por isso que ele estava naquele desespero. Era sempre assim.
 
Apressadamente, foi até a porta e a abriu. O sorriso que tinha no rosto achando que era sua porção de postickers se esvaiu. Para sua tristeza, não havia nenhum entregador de comida.
 
Olhando para um lado e para o outro, não viu ninguém em seu quintal. A chuva havia cessado, porém a rua estava completamente vazia. Dando ombros, estava prestes a fechar a porta quando Jimmy passou por ela como um furacão de bola de pelo e foi para a pequena escada da varanda que dava no quintal aberto de grama.
 
— O que foi amigão? — perguntou ao ver o cachorro farejando algo e com o rabo abanando. — Jimmy, o que há de errado?
 
Jimmy começou a latir de um jeito diferente olhando para a grama. Como não tinha visão do que o cachorro via, cuidadosamente, foi até onde ele estava — eram pouquíssimos passos a sua frente.
 
— Jimmy, o que...
 
Sua pergunta morreu no ar ao ver o motivo da agitação de seu cão.
 
Sem se importar por estar descalça, desceu os três degraus molhados e apanhou o cesto que haviam deixado na grama.
 
Não acreditando no que estava em seus braços, voltou para dentro de casa junto com seu fiel amigo que rodava sem parar à sua frente. Jimmy parecia feliz pelo que tinha achado. Se não fosse por ele, não se daria conta do que foi deixado nós pés de sua varanda.
 
Indo até a sala, colocou o cesto em cima do sofá e pegou o telefone para ligar para irmã. Enquanto a ligação chamava, começou a andar de um lado para o outro. Para seu alívio, Alex atendeu sem demora.
 
— Oi, Kara!
 
— Alex, eu preciso de sua ajuda.
 
— O que aconteceu? Você está bem? Acabei de ler sua mensagem onde você dizia que tudo estava bem.
 
— Eu estou bem.
 
— Então qual é o problema? — perguntou preocupada.
 
— Deixaram um bebê na minha porta.
 
— Kara, um cachorro não é um bebê — começou a rir. — Você falou a mesma coisa sobre o Jimmy.
 
— Não, Alex! — esbravejou. — Não estou falando de um cachorro que deixaram no meu quintal em uma caixa de papelão igual fizeram com o Jimmy. Deixaram um bebê dentro de um cesto de bebê na minha porta e foi o Jimmy que o viu. Eu estou olhando para uma criança de poucos dias. Preciso da sua ajuda, não tenho nada aqui que serve pra um bebê e estou meio perdida sobre o que fazer.
 
— O bebê está chorando?
 
— Não, está quietinho. Não foi deixado no quintal há muito tempo, pois não está molhado, só com alguns pinguinhos de chuva no rosto.
 
— Ok! Estou saindo da casa da mamãe agora, daqui a pouco, eu chego aí com comida e com coisas que sirva para um bebê até a gente resolver isso.
 
— Certo. Até mais!
 
Desligando a chamada, encarou a criança. O bebê estava acordado. Ao lado, Jimmy estava sentado no sofá encarando aquele pequeno ser.
 
— Oi, bebê! — disse em direção ao cesto imitando uma voz infantil. — Quem foi a pessoa má que fez isso com você?
 
Se aproximando, pegou a pequenina criança nos braços começando a balançá-la suavemente. Com uma das mãos, limpou alguns pingos de chuva que estavam no rosto do bebê enquanto analisava cada detalhe.
 
Era o bebê mais lindo que já tinha visto.
 
— Você é um bebê ou uma bebê? — sorriu quando o neném deu um sorriso pequeno. Nesse exato momento, sentiu uma sensação incomum invadir seu peito. — Isso não importa, não é mesmo? Você está com fome? Tia Alex e, muito provavelmente, tia Sammy vão me ajudar com o que devo fazer com você. Acho que vou pedir pra tia Alex te examinar, por muito tempo ela trabalhou com crianças do seu tamanho e um pouco mais velhas. Agora ela vive abrindo as pessoas e tirando o que de ruim dentro delas. Acho que junto com elas, vovó Eliza e a priminha Ruby também virão me ajudar. Eu preciso muito de ajuda pra saber como cuidar de você direitinho. Eu até sei, mas não sei muito, entende?
 
Desviou o olhar da criança e encarou o nada se dando conta do que disse. Logo sua atenção voltou à pequena criaturinha em seus braços quando a sentiu segurar seu dedo indicador.
 
— Você gosta da ideia de ter uma avó, duas tias e uma prima? — sentiu novamente aquela sensação incomum quando mais uma vez o bebê sorriu. — Prometo que você só sairá do meu lado quando tiver uma família que vai ter amar de todo o coração.
 
Involuntariamente, aproximou seu rosto do rosto da criança passando de leve o nariz sobre a pele branca e macia.
 
— Vai ficar tudo bem — sussurrou. — Eu prometo, bebê.

Come A Little CloserOnde histórias criam vida. Descubra agora