Capítulo 18

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Lena

 

Enquanto colocava Lara para dormir, as palavras de Lex invadiram sua mente em alto e bom som. Ainda haveria um longo caminho para se curar das dores passadas, mas poderia começar fazendo isso confessando a Kara o real motivo por ter achado que sua filha estava morta.
 
Por não saber como começar a conversa que ainda fazia seu coração doer e por não querer perder a coragem, mais uma vez só despejou em cima da loira um outro episódio de sua vida.
 
Depois da sua principal revelação, permaneceu por alguns instantes calada encarando o nada. Kara continuava segurando sua mão e, muito provavelmente, tentava processar aquela chocante informação.
 
Alguns segundos depois, sentiu a loira se aproximar mais de si.
 
— Porque ele fez isso com você? — sua voz saiu baixa.
 
— Eu já te contei que o homem que deveria ser o pai da Lara me deixou. Quando eu dei a notícia a minha mãe e ao meu irmão sobre a gravidez, eles ficaram felizes e me acolheram da melhor forma possível por eu estar sofrendo por ter sido deixada.
 
— Só uma pessoa muito louca te deixaria — murmurou para si, mas Lena acabou ouvindo. — Seu pai soube da gravidez no mesmo momento que sua mãe e seu irmão?
 
— Não. Ele só soube quando eu já não podia mais esconder a barriga — apertou lábios. — Eu e meu pai nunca nos demos bem. Pra ele, era como se o único filho fosse Lex. Na adolescência, eu descobrir que é porque ele queria que eu fosse um menino. Quando terminei a faculdade, ele vivia me dizendo coisas horríveis por eu não gostar de lidar com os negócios da família. Eu gosto e sempre gostei de criar coisas, fazer pesquisas e não ficar me encontrando com gente metida a besta pra tratar de negócios.
 
— Mas hoje você trabalha com isso, não?
 
— Não exatamente. O hospital foi o negócio que eu realmente me envolvi e só porque Lex me convenceu de que eu era capaz. Até então, eu aprovava ou não projetos tecnológicos pra Luthor-Corp — bufou. — Não querer fazer parte do que várias gerações de Luthors fizeram, para o meu pai era uma grande decepção.
 
— E só por isso ele fez o que fez?
 
Agora vinha a pior parte de tudo. Talvez, ao fim da conversa, se desabaria de chorar, pelo menos teria Kara. Se acontecesse da avalanche de sentimentos quererem sair de dentro de seu peito tudo ao mesmo tempo, esperava que Kara a abraçasse mais uma vez.
 
— O que diziam sobre meu pai e os pais dele não é mentira. Eles eram pessoas frias, que só importavam com dinheiro e aparência. Quando ele soube da gravidez, achou um absurdo que eu quisesse fazer isso sem um homem ao meu lado. Depois me xingou das coisas mais horríveis e disse que eu não era mais filha dele e nem o meu bebê seria seu neto.
 
— Ninguém ficou do seu lado? Você me fala tão bem de seu irmão e da sua mãe, eles não te defenderam? — perguntou curiosa e sentindo o coração doer.
 
— Eles ficaram do meu lado. Há anos meus pais tinham um casamento de fachada, mas Lionel não se importava desde que isso não se tornasse público,  mas então, minha mãe pediu o divórcio depois que ele quase me bateu por causa da gravidez. Ele e meu irmão ainda tinham um assunto ou outro, e pra ficar do meu lado, Lex cortou qualquer vínculo com ele. Para Lionel Luthor, eu destruí a família dele que se resumia na minha mãe e no meu irmão. Ele me disse com todas as letras que se vingaria. E se vingou.
 
— Você não precisa continuar. Não quero te ver sofrer por causa do seu pai.
 
Respirando fundo, virou a cabeça para olhar Kara. Os olhos azuis brilhantes estavam marejados e percebia em cada expressão da loira que ela estava triste e incomodada escutando a história. Podia parar ali e continuar outro dia, mas já estava cansada de carregar a sombra de Lionel Luthor em todos os lugares. O que a imprensa ou outras pessoas falavam de sua família não a importava, porém, se importava com a opinião de Kara o suficiente para mais um vez ser vulnerável na sua frente.
 
— Eu tenho que me livrar disso, Kara. Como posso ser feliz com a Lara se eu não rasgar de vez esse capítulo ruim da minha vida?
 
Kara sacudiu a cabeça levemente. — Tudo bem. Eu ainda estou aqui com você.
 
— Quando tudo isso aconteceu, eu já não morava com meus pais. Minha convivência com Lionel era horrível e pra evitar o estresse e chateação diária, me mudei assim que voltei de Boston depois de me formar — continuou dizendo com a voz já embargada. — No meu apartamento, eu deixei tudo pronto para chegada da Lori, quer dizer, Lara. Até hoje não fui capaz de me desfazer do quarto decorado ou do enxoval.
 
— Você ainda mantém o quarto dela intacto?
 
— Não fui capaz de deixá-la ir, entende? Por mais que minha psicóloga dissesse que eu deveria. E quando descobrir que ela estava viva, aí que não consegui me desfazer de nada.
 
— Eu entendo você. No seu lugar, eu faria o mesmo.
 
— Eu praticamente escondi minha gravidez de qualquer outra pessoa que não fosse Lex e minha mãe. Eu não queria falatório sobre isso e atiçar mais ainda a ira do meu pai. Mas mesmo me mantendo longe, ele quis me destruir da pior forma possível — fungou.
 
— Lena...
 
Apertando mais a mão de Kara, sentiu a primeira lágrima rolar por seu rosto. — Mantive meu bebê dentro de mim até a trigésima oitava semana. No dia que Lara nasceu, Lex tinha ido até Metrópoles, e minha mãe estava resolvendo algumas coisas do divórcio. Na minha cabeça, as coisas aconteceram rápido demais. Lembro de sentir as contrações e avisar a minha mãe para me encontrar o mais rápido possível no hospital. Lara queria muito vir ao mundo e em pouco tempo ela já estava próxima de nascer. A todo instante, eu perguntava pela minha mãe, pois a queria do meu lado, mas a médica que cuidou de mim a gravidez toda e a enfermeira, diziam que ela não havia chegado. Depois lembro do meu corpo cansado, o choro de bebê e a enfermeira levando minha filha para longe de mim.
 
— Sua mãe não chegou a tempo de te acompanhar no parto?
 
— Chegou, mas ela foi barrada de entrar. Só depois descobrimos que a médica tinha ordenado que ninguém me acompanhasse.
 
A ruga no meio da testa de Kara deixa nítido que ela tinha muitas perguntas. Estava tão certa sobre isso que em menos de um minuto a primeira surgiu.
 
— Você me contou que te disseram que a Lara nasceu morta, como explicaram pra você o choro do bebê?
 
— Falaram que foi um delírio da minha cabeça. Que eu me esforcei muito e que cansada demais, eu imaginei isso. E eu estava muito confusa na hora do parto, as coisas pra mim foram quase um borrão.
 
— Você aceitou essa resposta que te deram?
 
— Não — negou com a cabeça. — Claro que não. Não inicialmente. Quando fui para o quarto, eu dizia que queria ver minha filha e minha mãe falava que eu tinha esse direito. Depois da médica permitir, uma outra enfermeira colocou nos meus braços um bebê morto. Depois disso, acreditei que eu realmente tinha imaginado o choro.
 
— Co-como seu pai pode ter feito tudo isso? Não é que eu não acredite na sua história, mas é que isso é grave, é uma maldade tão grande que chega a ser difícil de entender.
 
Compreendia o que Kara estava querendo dizer, quando descobriu a verdade também achou absurda toda a história.
 
— Ele descobriu quem era minha médica. Ele pagou ela e a enfermeira para fazerem tudo aquilo. A minha confusão toda com o parto é porque foram me sedando, não o suficiente pra eu apagar ou não conseguir dar a luz, mas o suficiente pra ficar confusa e não saber direito o que aconteceu comigo.
 
— E o bebê morto?
 
— Descobrimos depois que era um bebê que tinha morrido na UTI — limpou uma lágrima com as costas da mão. — Acho que não contavam que eu quisesse ver a minha filha. Meu pai sempre me dizia que eu era uma fraca. E o bebezinho inocente só veio calhar nesse plano maquiavélico. A gravidez toda, a médica me disse que Lara seria um bebê saudável. Então não acreditei quando ela mesma me disse que ela havia nascida morta até ver aquele bebê.
 
— Disseram o motivo da morte?
 
— Que havia um nó no cordão umbilical, mas que foi imperceptível antes.
 
Engoliu seco se segurando para não chorar. — E como você descobriu tudo isso?
 
— Lionel contou a Lex no seu leito de morte. Não tudo isso que te contei, mas ele disse que a minha filha estava viva. Ele foi tão covarde que nem conseguiu dizer isso na minha cara.
 
— Tudo isso por raiva de você?
 
— É — fungou quando já não conseguia conter as lágrimas. — As lacunas dessa história foram preenchidas quando Lex encontrou a médica e ela, pressionada, revelou todo o plano. Só que a enfermeira, nunca mais a vi depois que ela saiu da sala do parto com Lara nos braços, então isso dificultou que achássemos a Lara mais rápido.
 
— E três dias depois, Jimmy a viu e eu me apaixonei por aquele lindo bebê a primeira vista.
 
— É, assim você se tornou a mãe dela.
 
O nó em sua garganta estava difícil de ser engolido. Nunca havia contado toda a história em voz alta. Ao longo dos anos, apenas remoeu a dor, a tristeza e a raiva pelo que a aconteceu.
 
Lionel foi horrível em todos os sentidos, era uma péssima pessoa, foi um péssimo marido, um pai horrível e nunca se quer se desculpou por todo ruim que causou em sua vida. Jamais poderia perdoá-lo, mas após expor sua mais profunda dor, poderia seguir em frente.
 
Mais uma vez, foi puxada por Kara para um abraço. Se apoiando em seu braço direito, estava quase deitada em seu colo. A loira a segurou firme, pressionando suas costas contra o seu abdômen para mantê-la o mais perto que conseguia. Com isso, começou a chorar, mas chorava sabendo que nunca mais visitaria seu passado ruim e essa dor não a acompanharia mais depois daquilo.
 
Kara beijou o topo de sua cabeça. — Você é incrível, Lena. Você não merecia isso que seu pai te fez. Espero que essa médica e enfermeira que participaram desse plano horrendo,  possam pagar caro pelo que fizeram. Não sei como tiveram coragem de fazerem isso com você. Desde que você me contou, fico pensando como você foi deixada pelo idiota do seu ex-namorado. Tem que ser muito estúpido para fazer algo assim. Eu jamais te deixaria. Não seria capaz de cogitar essa ideia. Queria ter te conhecido naquela época pra passar tudo isso junto com você.
 
A voz de Kara era uma mistura de revolta, com doçura e choro. Tinha gostado de tudo que a ouviu falar, mas o ‘eu jamais te deixaria’ a fez se sentir fisgada.
 
— Agora você sabe de tudo. Você é a primeira pessoa em quem confio em contar tudo isso.
 
— Eu prometo que sempre vou digna da sua confiança.
 
— Eu sei que vai.
 
Imergidas em suas mentes, ficaram caladas por vários minutos.
 
Aproveitando do abraço e da maneira que Kara acariciava a lateral de seu corpo, aos poucos foi se acalmando e o choro foi sessando.
 
Nunca mais choraria por aquilo. Depois de três anos de procura, finalmente estava com sua filha. Finalmente havia encontrado a sua felicidade e só queria vivenciar plenamente o momento. Além disso, tinha encontrado Kara que fazia tudo ser melhor. Podiam até terem começado com o pé esquerdo, mas agora, sentia que ela também era parte da felicidade que vinha experimentando nas últimas semanas.
 
— Está se sentido melhor? — quis saber depois de ter xingado mentalmente Lionel de todos os nomes que conhecia.
 
— Estou. Sinto que um peso enorme saiu do meu peito.
 
— Espero que me contar isso, faça você ver daqui pra frente o quanto é maravilhosa e que nunca mais se sinta insegura sobre Lara ou qualquer outra coisa — começou a brincar com os cabelos escuros.
 
— Acho que isso só com o tempo.
 
— Queria que você se visse através dos meus olhos. Gostaria que visse o que eu vejo em você.
 
— Como você me vê — se arriscou a perguntar.
 
— Uma pessoa amável, determinada, uma excelente mãe, incrivelmente inteligente, com um coração gentil. O senso de humor é meio ruim, mas dá pra se acostumar — sorriu ao escutar Lena rir. — Aos meus olhos, você é quase perfeita. Não mudaria nada em você.
 
Quase?
 
— É. Você é meio ruim na cozinha, então isso não te deixa ser perfeita.
 
Era tão bobo o que Kara estava dizendo, mas seu coração se acelerou tanto ouvindo aquilo.
 
— Queria ter conhecido antes — confessou.
 
— O engraçado é que estivemos na mesma época, na mesma cidade.
 
— Você poderia ter me encontrado.
 
— Ou a senhorita podia ter me encontrado.
 
— Eu encontrei há mais de um mês — rebateu fazendo Kara rir. — Foi você quem dificultou a minha aproximação.
 
— Acha que de não fosse pela Lara, nós nos encontraríamos?
 
Já tinha se perguntado aquilo algumas vezes. No começo, não havia chegado a lugar nenhum. Há alguns dias, tinha encontrado a resposta.
 
— Mesmo que eu não soubesse onde Lara estaria, eu iria comprar aquele hospital. De um jeito ou de outro, nos encontraríamos lá.
 
— Acho que de fosse assim o nosso encontro, eu não iria quase te bater a primeira vez que te vi.
 
— Foi ódio a primeira vista.
 
Riram juntas.
 
— Quer ouvir uma coisa aleatória?

—Quero.
 
— Mas, por favor não ria do que vou te dizer. Isso é algo profundo. É bem do fundo do meu coração.
 
Não sabia se Kara estava brincando ou falando sério, só que se viu extremamente curiosa.
 
— Eu não vou rir. Palavra de escoteiro.
 
Franziu o nariz. — Por acaso você foi escoteira? Achei que palavra de escoteiro só valiam para escoteiros.
 
— Fui quando criança. Mais uma coisa que você acaba de saber sobre mim.
 
— Achei que sabia de tudo.
 
— Há sempre algo novo para se descobrir.

— Você é uma mulher fascinante, senhorita Luthor.
 
Gostava tanto quando Kara a chamava assim, parecia que seu sobrenome ficava mais bonito saindo da boca dela.
 
— Me diga a coisa aleatória.
 
— Ah, claro! — limpou a garganta. — Quando Lara entrou na minha vida, foi como se eu renascesse. Você deve ter ideia do que estou dizendo.
 
— Tenho, sim — se ajeitou apoiando a cabeça sobre o peito de Kara. — Me sinto assim após reencontrá-la.
 
— Ela me fez ter esperança de que eu podia continuar vivendo e ser feliz mesmo tendo perdido alguém que eu amava, que era meu pai. Com Lara, eu sempre senti que minha vida se preencheu e se completou.
 
— E qual é coisa aleatória?

— É que, nesse exato momento te abraçando, eu sinto algo em mim transbordar. Acho que você é aquela gotinha de água na borda do copo que faz ele ficar tão cheio, mas tão cheio, que derrama. Acho que você é a minha gotinha de água.
 
Seus lábios se curvaram ouvindo aquela explicação. Agora entendia de onde Lara tirava tantas explicações para o que sentia, Kara era o motivo dela saber fazer essas analogias simples, inocentes, mas com grandes significados.
 
— Sou é?

— É. É, sim. Você é até pequenininha e tudo, como uma gotinha.

Riu daquilo. — Para de falar da minha altura, não sou tão menor que você.

— Mas é menor o suficiente pra eu te zoar, minha gotinha de água — apoiou o queixo na cabeça de Lena fechando os olhos.

— Seu coração está acelerado.

— Isso é coisa de Lena — disse baixinho. — Espero que saiba que não vou te deixar ir embora.
 
— Então não me deixa ir — ergueu um pouco a cabeça para olhá-la.
 
— Não vou deixar mesmo — deixou um beijo na ponta de seu nariz.
 
Voltando a posição que estava, se aconchegou mais dentro do abraço de Kara. A loira continuava mexendo em seus cabelos, seu coração continuava acelerado e sentia através da fina blusa dela o calor de seu corpo. O cheiro de seu perfume era o mais agradável possível, talvez só perdesse para o de Lara. A junção disso tudo a fazia relaxar mais e mais.
 
Estava gostando tanto do jeito que Kara mexia em seus cabelos, que até seria capaz de dormir em seus braços.
 
— Vou acabar dormindo assim.
 
— Pode dormir se quiser, continuarei aqui do seu lado.
 
Não diria nada, mas Kara também era a sua gotinha de água que a transbordava.

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