Capítulo 16

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Lena
 
 

Lara chorava de soluçar por causa de Jimmy. Tentando acalmá-la a apertava de forte contra si na esperança de que isso pudesse trazer algum alivio. Não conseguia nem imaginar o que estava se passando na cabeça da filha, só sabia que não deveria ser fácil para ela entender que Jimmy jamais acordaria ou o veria de novo.
 
Quase seis anos atrás, esteve tão desesperada quanto Lara estava. Chorava inconsolavelmente com um bebê morto em seus braços achando que era a sua menina e tudo que mais desejava é que esse bebê acordasse. Nunca tinha sentindo na vida uma dor tão grande quanto naquele momento. Agora Lara era que estava sentindo essa dor angustiante que é perder alguém que se ama muito.
 
Chegando no quarto de Lara, se sentou com ela cama. Suas lágrimas quentes tinham molhado o seu ombro esquerdo. Sua respiração estava descompassada e suspirava pesadamente.
 
Há poucos minutos atrás, a pequena estava rindo e se divertindo, pois a ideia se Kara de levá-la ao parque realmente serviu de algo. Agora, ela estava em desespero. Isso fazia seu coração doer. Se pudesse, tiraria a dor dela só para vê-la sorrindo de novo.
 
— Lara, olha aqui pra mamãe.
 
— Não — suspirou.
 
— Por favor, meu bem, olha pra mamãe.
 
Fungando, levantou a cabeça a olhando. — As florzinhas do meu coração morreu tudinho.
 
Sabia o que as florzinhas significavam, pois Kara havia comentado sobre aquilo.
 
— Oh, meu bem, não morreram, não — começou limpas as lágrimas de seu rosto.
 
— Morreram. Só sinto que dói bem aqui — apontou para o próprio peito do lado esquerdo. — Não tá quentinho mais, parece que tá gelado. E nem tô feliz, só quero chorar.
 
— Mas isso vai passar.
 
— O Jimmy vai acordar? — viu a mãe negando com a cabeça. — Não vai passar. Ele nem esperou eu mostrar meu pandinha pra ele. Eu não falei com que amava ele. Ele tava sozinho e nem me contou se meus brinquedos se mexem quando eu tô longe. Ele dormiu pra sempre como meu vovó e nem me deu tchau. Porque ele não me deu tchau?
 
— Lara, isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. A mamãe Kara te explicou isso. Ele estava velho e cansado.
 
— Mas porque o Jimmy? O que ele fez de errado?
 
Como explicar pra uma criança o porque as coisas que amamos se vão? Como fazê-la entender a morte sem que a assustasse? Certamente, Kara saberia explicar aquilo melhor.
 
Não respondendo a pergunta, voltou a abraçá-la acariciando seus cabelos a embalando como um bebê.
 
Queria tanto ser para filha a mãe que ela merecia, que agora que Lara  precisava realmente de uma mãe que a consolasse com palavras e soubesse explicar os mistérios da vida e não conseguia fazer nada. Estava se sentindo impotente diante da situação.
 
— O que você acha de tomar um banho, colocar seu pijama e eu fazer um cházinho pra você se acalmar?
 
— Você vai ficar comigo?
 
— Vou. Vou ficar o tempo que você quiser.
 
— Onde está a mamãe? — fungou.
 
Aquela era uma boa pergunta, possivelmente ela estava fazendo um enterro digno para seu adorado cachorro. Mas claro, não foi isso que respondeu a filha, pois se não, ela iria querer ir ver Jimmy e voltaria a se desesperar.
 
— Logo ela estará aqui com você.
 
— Vai mesmo?
 
— Claro que vai. Vamos fazer o que eu disse?
 
Como resposta, teve apenas um balançar de cabeça.
 
Assim como o sugerido, ajudou Lara a tomar um banho quentinho, colocou nela o pijama que ela escolheu, penteou seus cabelos que acabaram molhando e com ela em seu colo, foi até cozinha fazer um chá.
 
Pouco a pouco, a garotinha foi parando de chorar, mas seu semblante ainda demonstrava toda a sua tristeza.
 
Depois de fazer um chá de camomila, o colocou no copo de plástico brilhante com desenhos de planetas que Lara gostava. Se aproximando da bancada onde havia a deixado sentada, a entregou o líquido morno.
 
— As florzinhas do meu coração não morreram?
 
— Não — acariciou sua bochecha. — Você só está achando isso porque está triste.
 
— Já ficou um muitão triste assim?
 
— Já. Fiquei triste assim quando não pude cuidar de você.
 
— Agora que você cuida de mim, tem as florzinhas de novo?
 
— Tenho muito mais florzinhas hoje do que antes.
 
Ficando em silêncio, Lara levou o copo que tinha duas alças à boca e começou a tomar seu chá. Seus olhinhos estavam pequenos e vermelhos de tanto chorar e em alguns momentos, ainda suspirava.
 
— Jimmy virou uma estrelinha?
 
— Virou, meu bem. É a estrela mais brilhante do céu agora.
 
— Ele ainda vai continuar me amando lá do céu?
 
— Vai, sim. Do mesmo jeito que você sempre vai amar ele, ele sempre vai te amar.
 
Não sabia de onde ela tinha tirado essa ideia sobre Jimmy virar uma estrela, mas suspeitava que em alguma situação, Kara tivesse dito isso a ela.
 
Kara era realmente uma mãe de ouro para Lara. Não é que estava com inveja disso, é só que gostaria ter com a filha o mesmo tato que a loira tinha, mas até agora, sentia que não fazia nada direito.
 
— Quando a mamãe Kara voltar, você também vai abraçar ela e fazer chá?
 
Repuxou um canto dos lábios achado graça daquela doçura e inocência. — Se ela quiser, eu vou.
 
— Me abraça de novo antes dela chegar? — colocou o copo ao lado do corpo. — Com você pertinho, meu coração dói menos.
 
Era tão difícil não se derreter com Lara. Era admirável como, apesar da idade, ela conseguia se expressar.
 
— Que tal tentar dormir um pouco? Você deve está cansada.
 
— Vai ficar comigo?
 
— Vou, meu amor, claro que vou.
 
Lara levantou os braços para ser carregada, assim que pegou no colo, a garotinha voltou a deitar em seu ombro a apertando forte. Tê-la tão perto era a melhor sensação que já sentou na vida.
 
Voltando com ela para o quarto, se deitou com ela na cama a mantendo próxima de si. Por longos minutos, ficou mexendo em seus cabelos dourados até que ela foi se entregando ao sono.
 
— Eu te amo, pequeno raio de sol — sussurrou em seu ouvido antes de beijar a sua testa.
 
Mesmo não querendo se desgrudar de Lara, fez isso, pois estava preocupada com Kara e queria saber onde ela estava.
 
De volta a sala onde tinha deixado a sua bolsa, pegou o celular e ligou para Kara. Quando começou a chamar, um som estranho preencheu o silêncio. Procurando o que era, ao olhar para a mesinha de centro, viu o celular da loira vibrando.
 
— Droga, Kara!
 
Queria chorar, queria gritar, queria sair correndo e também queria dar uns tapas em Kara por ela não ter dito onde iria e não ter levado o celular. Mas também queria que Kara voltasse logo pra saber se tudo estava bem com ela.
 
Andando de um lado para o outro, não sabia o que fazer e muito menos o que pensar, só continuou fazendo aquilo, sabe-se lá por quanto tempo, até que a porta de casa se abriu e uma Kara abatida entrou. Dava pra notar que ela tinha chorado.
 
— Lena, está tudo bem? — perguntou ao vê-la se aproximar com uma expressão que não sabia decifrar.
 
— Sua, idiota! — deu um tapinha em seu braço. — Como pode sair e não dizer onde ia e nem levar o celular? Estou há vários minutos andando de um lado para outro preocupada com você. Eu sei o quanto o Jimmy era importante na sua vida, mas você me deixa aqui sozinha com a Lara e saí por aí sem falar nada.
 
— Desculpa te deixar nervosa. Eu fui levar o Jimmy para ser cremado, mas a clínica vinte quatro horas fica um pouco longe daqui.
 
Tinha imaginado que seu sumiço tinha a ver com Jimmy, mas estava tão nervosa com tudo que só quis descontar seu estresse.
 
— Desculpa pelo tapa, estou nervosa.
 
— Eu percebi — deu um sorriso meio triste. — Como está a Lara?
 
— Ela dormiu faz um tempo, mas queria saber de você e eu não soube o que responder. Na verdade, não soube responder quase nada do que ela me perguntou.
 
— Eu tenho certeza que lidou muito bem com ela — se aproximou quando viu Lena se encolher.
 
— Não lidei, não. Eu sou uma mãe horrível — estava prestes a chorar. — Eu não soube explicar pra ela sobre a morte ou porque isso foi acontecer justamente com o Jimmy. Eu não sou a mãe que você é, Kara. Ela estava chorando e eu não soube dizer uma palavra de consolo, tudo o que consegui fazer foi abraçá-la e a deixar chorar no meu ombro.
 
— E você acha que abraçá-la e a deixar chorar, não foi um consolo?
 
— Não — passou as mãos pelos cabelos. — Eu deveria saber dizer algo bonito, que a fizesse compreender o que aconteceu sem que ficasse com medo, mas não consegui. Como alternativa, dei um banho nela, fiz um chá e a coloquei pra dormir. Que mãe vê a filha chorando e não sabe o que dizer? Uma péssima mãe, suponho.
 
— Lena, você lembra o que eu fiz quando te encontrei chorando?
 
— Me abraçou e ficou comigo até que eu me acalmasse.
 
— E você me agradeceu por eu ter te consolado. Porque o que você fez com a Lara não é um consolo?
 
Bem, não tinha pensado por aquele lado.
 
— Porque... Porque se fosse você, você saberia o que dizer. Eu não sei. Eu sei ser mãe dela. É isso — sua voz saiu trêmula.
 
— Lena — deu um passo para frente segurando seu rosto com as duas mãos para que se encarassem —, você tem sido uma excelente mãe. Você não tem que se comparar comigo e ficar achando que tudo o que você faz é errado. Você ficou do lado dela, você a fez se acalmar e a fez dormir, onde isso é não saber ser mãe dela?
 
— Eu não soube dizer nada, Kara. Nada.
 
— E tá tudo bem. Só tem alguns dias que você está próxima a ela e está indo muito bem.
 
— Não, Kara. Não tá tudo bem. Eu...
 
— Me amor, às vezes tudo o que a gente precisa é de um abraço, e você fez isso com ela. Se eu soubesse que você não saberia lidar com a situação, acha que eu te deixaria com ela? Acha que eu confiaria a Lara a você? Que eu sairia de perto dela a vendo se debulhar em lágrimas? Eu fiz porque sei que ela tem você. Porque eu confio que se eu faltar, você vai estar lá por ela, como esteve agora.
 
Sabia que Kara a tinha feito umas perguntas, mas não entendeu quais eram porque seu cérebro parou de funcionar quando foi chamada de ‘meu amor’.
 
Tinha ouvido certo? A loira a sua frente que estava extremamente fofa de óculos, que segurava seu rosto com delicadeza e a olhava profundamente nos olhos, tinha mesmo a chamado de ‘meu amor’?
 
Porque tinha gostado tanto de ouvir aquelas palavras? Será que Kara falava daquele jeito com todo mundo ou a chamou por algum outro motivo?
 
Balançando a cabeça, tentou se desfazer dessas perguntas. Que idiotice! Estava parecendo uma jovenzinha boba com aqueles questionamentos.
 
— Vo-você está bem? — preferiu perguntar isso, já que tinha perdido todo o rumo da conversa.
 
— Estou triste. Muito mais triste pela Lara, mas vou ficar bem.
 
— Não acha que sou uma péssima mãe? — se lembrou do assunto anterior.
 
— De maneira alguma. Não tem que se comparar comigo. Você é você, e a Lara te ama exatamente assim. Ela tem duas mães, porque as duas têm que ser iguais?
 
— Eu que deveria te falar algo bacana, mas no fim, é sempre você que sabe o que dizer.
 
O cantos de seus lábios se curvaram. — Só de você ter demonstrado que se preocupa comigo, já faz eu me sentir melhor.
 
Tendo Kara tão perto mais uma vez no dia, sentiu florzinhas nascerem no seu coração. A cada minuto perto de Kara se sentia assim, mas não queria estragar o que tinham.
 
Mais cedo quando estavam no laboratório e Kara se inclinou em sua direção, achou que iria ser beijada e esperou por aquilo. Se Kara tivesse feito o que pensou que ela faria, seria corajosa pra dizer como vinha se sentindo em sua presença. Como ela não fez, o melhor era enfiar seus sentimentos numa caixa e mantê-los guardados.
 
Já era difícil não pensar demais em cada abraço, cada gesto de carinho. As palavras ‘meu amor’ ficariam ecoando em sua cabeça noite e dia a partir de agora. Até poderia se arriscar, mas porque colocaria em risco o que estava bom?
 
Lex, certamente, diria que deveria seguir seu coração. Talvez não estivesse pronta pra seguir e ouvir um “não”. Kara podia só estar sendo muito gentil, e estava confundindo tudo e se iludindo que havia mais.
 
Porque haveria mais?
 
— Preciso ir embora — se afastou subitamente para pegar sua bolsa.
 
— O que?! Não vou te deixar ir embora essa hora, já está de madrugada.
 
— Eu sei, mas você precisa descansar e aposto que quer ficar com a Lara.
 
— Lena, não vou deixar você ir embora. Eu não posso deixar a Lara sozinha e ir levar você em casa.
 
— Tudo bem, eu chamo um táxi — foi em direção a porta.
 
Apressadamente, segurou seu braço a fazendo parar. — Não vou te deixar ir. Você não vai entrar no carro de um estranho sozinha a essa hora. É perigoso.
 
— Não tem que se preocupar, Kara. Vai descansar.
 
— Lena, fica.
 
Ouvir aquilo fez seu coração acelerar.
 
— Kara.
 
— Não tô querendo mandar em você, mas tô querendo que você fique — soltou seu braço. — Vai ser bom pra Lara te encontrar aqui quando ela acordar. Ela precisa de você agora. Eu tenho um quarto sobrando, você pode ficar lá. Não tem que sair assim a essa hora.
 
— A Lara não precisa de mim.
 
Ajeitou os óculos. — Mas eu preciso. Não faça eu me ajoelhar aos seus pés pedindo pra você ficar. Só fica.
 
— Isso não vai estragar as coisas?
 
— Não. Não vai estragar nada. Não tem como você estragar alguma coisa.
 
Falar “não” para Kara, pelo jeito, era algo que jamais saberia fazer.
 
Se afastando da porta, deu dois passos para frente e a abraçou.
 
— Eu também preciso de você.

O que disse não tinha nada a ver com Lara.

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