Kara
Finalmente, tinha chegado a sexta e junto com ela a noite de jogos. Quando combinaram aquele encontro só entre adultas — Lara e Ruby ficariam com Eliza — muitas ideias foram dadas. Gayle sugeriu irem num barzinho, Alex pensou num karaokê, Imra disse para saírem para dançar e Kara deu a ideia da noite jogos. Foi assim que elas decidiram se reunir na casa de Alex.
Encostada na bancada da cozinha e olhando para um ponto qualquer da parede, Kara enfiava batatas chips na boca sem nem perceber o que estava fazendo. Se estivesse prestando atenção nos seus afazeres, estaria colocando o salgadinho na vasilha redonda próxima a ela como Alex a pediu para fazer enquanto levava outras coisas para a garagem, onde iriam se reunir. Porém, sua mente tinha viajado para longe, pois estava se perguntando se deveria ter chamado Lena para ir naquela noite de jogos, mas todas as vezes que pensou em chamá-la e tentou tocar no assunto, perdeu a coragem.
— Kara? Kara!
— Hum? — virou a cabeça encontrando a irmã próxima de si. — O que foi?
— Onde está a sua cabeça?
— No meu pescoço? — enfiou mais um punhado de batatas na boca.
— Você não ouviu a campainha tocar?
— A campainha tocou?
— Sim, era a Gayle e a Imra — pegou o salgadinho da mão dela o colocando onde ele deveria ter sido colocado há muitos minutos.
— E cadê elas?
— Foram pra garagem levar algumas coisas que trouxeram.
Toda vez que decidiam fazer a noite de jogos, acabavam escolhendo a casa de Alex por dois motivos: primeiro, a garagem era grande, uma parte ficavam dois carros e na outra tinha uma mesa de sinuca, uma mini geladeira com bebidas, um sofá e alguns pufs espalhados. Alex fez daquela parte um lugar para lazer. Segundo, além das comidas e bebidas que levavam, Samantha sempre fazia várias coisas para elas comerem. Havia um consenso no grupo que Sam era a melhor anfitriã entre elas.
— Ah!
— Achei que você estava no banheiro e por isso não foi atender. Aí chego aqui, você está que nem um dois de paus, olhando para o nada e devorando a batata que deveria durar a noite toda.
— Que estresse! — pegou mais um tanto de salgadinho logo se afastando quando recebeu um olhar de reprovação de Alex. — Sam não tá dando conta de você, não? Vou precisar falar pra ela melhorar o seu humor.
— Já disse pra não fazer essas insinuações perto de mim. Você é muito nova pra falarmos sobre esse assunto.
Revirou os olhos rindo. — Eu tenho mais de trinta anos, Alex. Quando você vai aceitar isso?
— E daí? — deu ombros. — Você não tem idade pra conversar comigo sobre isso. Não tem agora e nunca vai ter.
— Você consegue ser bem ridícula quando quer.
— Cala boca e respeite a sua irmã mais velha — a encarou. — Me responde, em que você estava pensando que não ouviu a campainha tocar, que não fez o que eu pedi pra você fazer e que está te fazendo ficar com essa cara de sonsa?
— Nada. Não estava pensando em nada. Apenas me distraí.
— Anda, Kara! Desembucha.
— Não vou falar.
— Porque não?
— Não quero você fazendo piadinha sobre isso e não quero que nenhuma outra pessoa saiba. Já não basta você, a Gayle e a Imra terem transformado minha vida em um assunto corriqueiro entre vocês.
— Não temos culpa que sua vida ficou muito interessante depois que a Lena chegou.
— Por essa e outras que não vou contar. Não preciso de ninguém pegando no pé.
— Eu não vou dizer nada pra ninguém e nem vou pegar no seu pé. Eu juro. Me conta o que está te deixando desse jeito. Não é a primeira vez que te vejo assim nos últimos dias.
Soltando com força o ar dos pulmões, levou as mãos na cintura e então olhou a irmã. Mesmo que não tivesse certeza se deveria falar o que estava a deixando no mundo da lua, queria compartilhar isso com alguém.
— Estava pensando na Lena.
— Pensando sobre como falar sobre ela pra Lara?
— Não — negou com a cabeça. — Estava pensando se eu deveria tê-la chamado para vir hoje.
— E porque não chamou?
— As coisas estão boas entre a gente, e eu não queria deixá-la desconfortável ou que ela achasse que vir hoje seria como uma prova que ela tem que passar pra eu conversar com a Lara.
— Por que motivo ela acharia que isso é uma prova de aceitação? — não estava entendendo o que Kara queria dizer.
— Eu falo que você e a Sam são importantes pra mim. Que a opinião de você é importante, o quanto vocês amam a Lara, em como me ajudaram nos meus primeiros dias com ela e que eu não podia ter escolhido madrinhas melhores — deu ombros. — Não quis que ela achasse que quero a autorização de vocês para algo. Pensei que podia ficar uma situação chata eu trazê-la aqui e depois subitamente dizer que vou conversar com a Lara sobre ela.
Seu pensamento podia até não fazer muito sentido, mas realmente aquele lhe ocorreu. Por mais que considerasse a opinião de Alex, Sam, Eliza e Gayle, nem sempre seguia o que elas diziam e não sabia se tinha deixado claro esse detalhe para Lena.
— É só isso mesmo? — arqueou as sobrancelhas esperando uma resposta.
Suspirou se aproximando. — E eu não queria que ela me dissesse “não”. Aí, durante essa semana, toda vez que eu estava com as palavras na ponta da língua pra fazer o convite, essas coisas passavam pela minha cabeça e eu desistia. Agora fico pensando se fiz bem.
— Eu não acho que ela negaria um convite seu. De outra pessoa pode até ser que sim. Não a conheço bem, só o pouco que vejo no hospital e o que você me contando, mas acho que viria e nem pensaria nisso.
— Acha mesmo?
— Tem... Sei lá, umas três semanas que vocês almoçam, praticamente, todos os dias juntas. Vira e mexe ela tá na emergência conversando com você, ou você está andando com ela pelo hospital a levando em algum canto como se ela já não soubesse onde tudo fica ali.
— Eu só a levei no laboratório uma vez — se defendeu. — Ela queria mostrar aquelas coisas de laboratório novas para o pessoal dos exames e eu fui legal em levá-la até lá, pois ela não sabia onde ficava.
— E ela não sabe onde fica a sala da diretora Grant? — viu que Kara não gostou da pergunta. — Imra disse que te viu lá umas seis vezes só essa semana. Isso porque você só trabalhou quatro dias.
— Imra é uma linguaruda! — murmurou. — Eu não queria interromper o nosso assunto, então a acompanhei.
— E todas as vezes que a levou até o carro dela? Os cafés que a entrega quase todas as manhãs...?
— Você está me espionando?
Não a agradava Alex saber tanto o que andava fazendo pelo hospital. Não que estivesse escondendo alguma coisa, mas ouvindo a irmã falar sobre tudo aquilo a fazia se sentir vigiada.
— Não estou te espionando, só que fica difícil não saber dessas coisas quando vocês estão sempre juntas. As pessoas do hospital podem até não saber o motivo dessa aproximação, mas elas comentam.
— Não ligo para o comentário do pessoal do hospital — tentou ser convincente e falhou. Se importava com os comentários, pois não queria que ela e Lena virasse alvos de uma grande fofoca. — Bando de fofoqueiros.
— Você sabe bem o lugar em que trabalha e comentários iriam surgir mais cedo ou mais tarde.
— E o fato de eu ser legal com ela, tem algo de errado nisso? Quando você conheceu a Sam, você foi muito legal com ela.
Alex sorriu de uma maneira que não conseguiu entender o significado. Tinha dito algo de errado?
— Acho legal que durante esse pouco tempo que vocês se conhecem, vocês conseguiram construir uma amizade. Quando a conheceu, você disse que não daria espaço pra ela entrar na sua vida e agora até pensou em chamá-la para a noite de jogos.
— Eu... — abaixou a cabeça pensando se deveria confessar aquilo. — Eu gosto da companhia e, a cada dia, percebo mais o quanto eu estava errada sobre ela.
— Fico feliz com isso — falou com sinceridade. — Afinal, vocês têm uma filha juntas e mais cedo ou mais tarde vão ter que lidar com ela, juntas.
— Ainda é estranho pensar em dividir essa função.
— Mas é pra isso que vocês estão se encaminhando, não é?
Hesitante, balançou a cabeça levemente. — Eu disse a ela que ainda não falei nada pra Lara por medo.
— E ela? — perguntou curiosa.
— Disse que vai continuar esperando eu estar pronta pra contar do mesmo jeito que eu espero ela me contar o que realmente aconteceu.
— E porque decidiu falar dos seus medos?
— Não queria que ela achasse que estou a enrolando. Apesar de todo esse temor que eu tenho ainda, mesmo a conhecendo melhor agora, talvez, eu esteja adiando o inadiável.
— Eu acho que você está.
— É, estou — abaixou o olhar.
Mais cedo ou mais tarde teria que ser sincera com a sua filha, pois isso era sobre ela. E não tinha como saber o que o futuro reservaria após confessar o que deveria. Esperava que Lena fosse tudo aquilo que pensava dela depois de conhecê-la melhor e se não fosse, teria que lidar com as consequências de ter permitido sua aproximação e ter sido verdadeira.
Sam a havia dito que ela saberia quando fosse a hora certa, esperava que esse momento chegasse logo, não gostava de sentir que estava mentindo para Lara e muito menos de sentir que estava fugindo de algo que tinha que ser resolvido.
— Gayle chamou uma amiga pra vim hoje — mudou subitamente de assunto.
— Quem?
— Não sei. Só disse que ela está ficando um tempo na cidade e achou que seria legal ela se juntar a gente.
— E você deixou?
— Eu não vejo problema trazer mais alguém. É uma noite de diversão.
— Ótimo! — bufou voltando a olhar Alex. — Você vai fazer dupla com a sua adorável esposa, Gayle vai fazer dupla com a Imra e eu vou ficar com a estranha, como sempre. Detesto quando ela faz isso, a noite de jogos era pra ser só a gente. A Imra já chegou do nada, mas a gente aceita porque ela é legal e pelo precipício que a Gayle tem nela. Agora gente estranha já é um pouco demais pra mim.
— Bom, se ela não tivesse chamado essa amiga dela, você, mais uma vez, ficaria contando os pontos. Você nunca trás ninguém. E quando pensou em trazer, desistiu.
A última pessoa que tinha levado a uma noite de jogos foi Diana Prince, sua ex namorada na época de faculdade. Depois dela, nunca mais levou ninguém, pois não tinha saído com alguém que valesse a pena. Porém, enquanto evitava gente estranha em algo que considerava bem íntimo, Gayle adorava convidar uma pessoa aleatória. Sabia que a amiga era acolhedora, mas tinha certeza que ela não levava seus amigos por causa disso, levava para apresentar a ela. Toda oportunidade que tinha, Gayle empurrava um ser aleatório para cima dela.
— Eu preferia ficar contando os pontos do que jogar com uma pessoa que nem conheço.
— De repente, você até se dê bem com essa amiga dela.
— Impossível. Porque tá me olhando assim? Não gosto que me olhe assim.
Detestava quando Alex a olhava como se soubesse algo que nem ela mesma sabia. Na verdade, nos últimos dias vinha reparando que ela, Sam e Gayle sempre estavam à olhando desse jeito.
— Não posso mais olhar a minha irmãzinha? — arqueou as sobrancelhas.
— O que vocês estão aprontando, Alex? — semicerrou os olhos. — Porque parece que vocês sabem de algo que não sei?
Esperando uma resposta de Alex, o som da campainha ecoou casa a dentro.
— Pode abrir a porta? Deve ser o entregador de pizza.
— E se for a amiga da Gayle?
— Por acaso você desaprendeu a falar com as pessoas? Se for a amiga dela, você a leva até a garagem.
— Você é tão engraçada — disse com sarcasmo. — Quando todas forem embora, você vai me dizer o que está acontecendo.
— Vai abrir a porta que eu vou levar isso. Te espero lá.
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Come A Little Closer
Fanfiction[Concluída] Kara Danvers é uma médica que leva uma vida bastante sossegada numa cidade litorânea na Carolina do Norte. Sua vida começa a mudar quando ela encontra um bebê abandonado na sua porta. Um tempo depois, uma nova reviravolta acontece quando...