Capítulo 6

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Coriolanus

Nessa manhã, Miss Moore teve uma aluna muito distraída. Miss Helstone esqueceu uma vez, mais outra, as explicações que foram dadas a ela. No entanto, ela suportava com inalterável serenidade as repreensões que merecia sua desatenção. Sentada ao sol, perto da janela, parecia receber com o seu calor uma benéfica influência que a tornava ao mesmo tempo feliz e bondosa.

Para ela não havia sido negado o dom da beleza. Não era absolutamente necessário conhecê-la intimamente para amá-la, pois era suficientemente bonita para agradar à primeira vista. Sua forma era adequada à sua idade: era feminina, leve e flexível; cada curva era perfeita, cada membro proporcional; tinha uma cintura graciosa; o seu rosto era expressivo e delicado; seus olhos eram belos e talentosos. Às vezes lançavam raios irresistíveis que iam diretamente ao coração. Sua boca era muito bonita, tinha uma pele delicada, um cabelo castanho magnífico e uma profusão de cachos emolduravam-lhe o rosto de forma pitoresca. Seu estilo de se vestir anunciava bom gosto. Os vestidos, pouco requintados em relação à moda e ao preço do tecido, eram sempre da cor e do corte que mais faziam sobressair suas perfeições naturais. Seu traje de inverno naquele dia era de merino, num tom suave de castanho como seus cabelos. A pequena gola redonda pousava sobre uma fita cor-de-rosa e era presa por outra da mesma cor. Não trazia mais nenhum enfeite.

Tanto a aparência de Miss Caroline Helstone quanto seu caráter ou inteligência – se ela tinha alguma – devem falar por si só no devido tempo. Suas conexões com os Gerards e os Moores não tomam muito tempo para serem explicadas. Os pais de Miss Helstone tinham se separado logo após seu nascimento, em consequência de discordância de disposição, isto é, incompatibilidade de gênios foi o que disseram a ela. Sua mãe era meia-irmã do pai de Mr. Moore, assim, embora não houvesse mistura de sangue, ela era, de certa forma, prima de Robert, Louis e Hortense. Seu pai era o irmão de Mr. Helstone, um desses homens de quem, mesmo depois de terem deixado este mundo, evitam-se recordações. Ele tinha tornado sua esposa infeliz. O que ela soubera a respeito do pai era que ele não tinha bons princípios.

Miss Caroline Helstone nunca conhecera a mãe, da qual tinha sido afastada desde a sua infância e não tinha voltado a vê-la. O pai morreu relativamente jovem e seu tio, o reverendo, desde então era seu único guardião. Sabia-se que Mr. Helstone, por natureza e hábito, era a pessoa menos indicada para educar uma moça, de maneira que ele não se preocupava muito com sua educação. Provavelmente ele não teria tomado nenhuma iniciativa se ela, encontrando-se negligenciada, não tivesse crescido ansiosa por sua própria conta e cobrado, de vez em quando, por um pouco de atenção e por meios de adquirir uma quantidade de conhecimento que não poderia ser dispensada. Ainda assim, Miss Caroline tinha um penoso sentimento de ser inferior, em conhecimento, às jovens da sua idade. Aceitara com alegria quando a prima Miss Hortense Moore se ofereceu para ensinar-lhe francês e trabalho com agulha, logo após sua chegada à fábrica Hollow. Miss Moore, por outro lado, gostava dessa tarefa, pois lhe dava importância. Ela gostava de exercer sua autoridade sobre essa aluna dócil, mas cheia de vivacidade. Ela julgava Miss Helstone como ela própria se julgava: uma moça ignorante e, ao vê-la fazer progressos rápidos e extraordinários, não os atribuía à boa aplicação da estudiosa aluna, mas inteiramente ao seu próprio método superior de ensino. Quando ela descobriu que Miss Caroline, inábil na sua rotina, tinha um conhecimento próprio, instrução desigual, mas variada, a descoberta não lhe causou nenhuma surpresa, pois ela estava convencida de que tinha sido conversando com ela que, sem se dar conta, a moça adquirira todos aqueles tesouros. Mesmo quando forçada a sentir que sua pupila sabia muito sobre assuntos dos quais ela sabia muito pouco, Miss Hortense preferia diminuir a prima para se tornar importante.

A professora que se gabava de possuir um "espírito positivo" e ter certa preferência pelos estudos áridos, mantinha Miss Helstone no mesmo caminho. Obrigava a moça a estudar incansavelmente a gramática da língua francesa, atribuindo, como os exercícios mais úteis, as intermináveis análises lógicas. Essas análises não eram particularmente agradáveis e Miss Helstone pensava que poderia ter aprendido francês tão bem sem elas. Às vezes a aluna se ressentia pelo tempo excessivo gasto naquele labirinto gramatical e, enquanto Miss Moore estava vasculhando suas gavetas no andar de cima, uma ocupação em que ela passava grande parte da manhã, arranjando, desmanchando e reorganizando, ela levava seu livro ao escritório de Robert, que a tirava daquele embaraço. Robert Moore possuía um cérebro lúcido e calmo. Mal ele olhava as pequenas dificuldades que embaraçavam Miss Caroline, elas se dissolviam como por encanto. Em duas palavras dava-lhe a chave do enigma. Ela pensava: "se Hortense pudesse ensinar como ele, eu depressa aprenderia!". Ela sempre lhe pagava com um sorriso de admiração e reconhecimento, e depois deixava a fábrica relutantemente e voltava para a casa de campo. Lá, ela completava o exercício e resolvia o problema, pois Miss Moore também lhe ensinava aritmética. Miss Helstone desejava que a natureza a tivesse feito um menino em vez de uma menina, pois, se assim fosse, ela poderia pedir a Robert para deixá-la ser seu secretário e sentar-se com ele no escritório, em vez de sentar-se com Hortense na sala de estar.

Shirley (1843)Onde histórias criam vida. Descubra agora