Capítulo 7

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O Chá dos Vigários

Miss Caroline Helstone tinha apenas dezoito anos e nesta idade a vida real está apenas começando. Antes desse tempo, vive-se na fantasia, numa maravilhosa ficção, às vezes encantadora, noutras triste, porém, quase sempre irreal. Antes dessa idade o mundo é heroico, seus habitantes são semideuses ou semidemônios e as paisagens são sonhos. Bosques mais sombrios, colinas mais estranhas, céus brilhantes, águas mais perigosas, flores e frutas mais doces e tentadoras; planícies mais vastas, desertos mais áridos, campos mais ensolarados do que os que se encontram na natureza embelezam o mundo encantado. Que lua se vê nesse tempo! Como o tremor dos corações à vista dela se revela! Que indescritível beleza! Quanto ao sol, é um ardente céu, a morada da divindade.

Naquela época, aos dezoito anos, Miss Caroline aproximava-se do limite das ilusões. A terra dos sonhos ficava para trás e os contornos da realidade divisavam-se no horizonte. Contudo, estas praias estavam ainda distantes, havia ainda muito tempo para alcançá-las. Elas lhe pareciam tão azuis, suaves e gentis.

Aos dezoito anos, ela acreditava na esperança que lhe sorria e lhe prometia felicidade; acreditava no amor que vinha vagando como um anjo exilado, esvoaçando à sua porta, que era ao mesmo tempo admitido, festejado e acarinhado. Sua aljava não era vista; suas flechas não penetravam, consequentemente, não havia ferida. Era apenas uma nova emoção em sua nova vida. Não havia veneno, nenhuma farpa que sua mão não pudesse extrair. Apenas a paixão, uma perigosa agonia que ela acreditava ser um bem incondicional.

Miss Helstone, depois de deixada em sua casa por Mr. Moore, não tinha vontade de passar o que restava da noite junto do tio. O quarto em que ele estava era sagrado para ela. Raramente entrava nele e, nessa noite, manteve-se distante até que o sino tocasse para as orações (forma de adoração observada na casa de Mr. Helstone), em que se ouvia a voz habitual da jovem: alta, clara, nasal e monótona. Como era seu costume, só depois se aproximou do tio.

– Boa noite, tio.

– Ei! Você foi foliar durante todo o dia, passou em visita e jantou fora, não é?

– Estive somente na casa de campo.

– E aprendeu suas lições?

– Sim.

– Fez uma camisa?

– Somente parte de uma.

– Está bem. Atenha-se à agulha, aprenda a fazer camisas, vestidos, a cozinhar e será um dia uma mulher notável. Agora vá para a cama. Estou ocupado com um livro.

Miss Helstone obedeceu e trancou-se em seu pequeno quarto. Vestiu seu roupão branco, soltou seus longos, espessos e sedosos cabelos que lhe caíam até a cintura como uma cascata ondulada e, como se quisesse descansar da tarefa de penteá-los, apoiou sua cabeça na mão e fixou os olhos no tapete.

Seus pensamentos falaram-lhe agradavelmente, pois ela sorria enquanto os ouvia. Estava linda, mais brilhante do que era; de fato, seu espírito juvenil resplandecia de esperança e sonhos. Se acreditasse para sempre naquele profeta lisonjeiro, em suas promessas, nunca conheceria a decepção, nunca sentiria o calafrio do desapontamento. Estava entrando no amanhecer de um dia de verão, não uma falsa aurora, mas o verdadeiro começo de uma manhã no qual o sol estava prestes a erguer-se. Era impossível para ela suspeitar que fosse um esporte da ilusão, suas expectativas pareciam-lhe firmes, pois o alicerce sobre o qual repousavam parecia-lhe sólido

"Quando duas pessoas se amam, a primeira coisa a se fazer é se casarem", esse era o seu raciocínio. "Pois bem, eu amo o Robert e tenho certeza de que Robert me ama. Há muito que o penso, mas hoje o sinto. Tive certeza quando olhei para ele depois de repetir o poema de Chénier. Seus olhos (que olhos lindos ele tem!) enviaram-me a verdade para o meu coração. Às vezes, tenho medo de falar com ele, pois não devo ser muito franca para não parecer vulgar, para não me arrepender amargamente de ter transbordado de palavras supérfluas. Temi que tivesse dito mais do que ele esperava que eu dissesse, tive receio de que me desaprovasse e que me considerasse indiscreta. Mas, nesta noite, eu me aventurei a expressar meus pensamentos e ele foi tão indulgente para comigo, até enquanto caminhávamos. Ele não me bajulou e nem me disse coisas insanas, também não falou de amor (eu quero dizer, ele falou apenas de amizade. É claro que eu também não lhe contei do meu amor, mas espero dizê-lo algum dia). O amor não é como o que lemos nos livros: é muito melhor, mais original, tranquilo, viril e sincero. Ah, como eu gosto dele! Serei uma excelente esposa para ele se ele se casar comigo. Eu lhe direi os seus defeitos (porque ele tem algumas falhas), mas eu iria cuidar do seu conforto, fazer o meu melhor para fazê-lo feliz. Agora, eu tenho certeza de que ele não vai ter aquele ar frio para comigo. Tenho quase certeza de que virá aqui amanhã e me pedirá para ir lá."

Shirley (1843)Onde histórias criam vida. Descubra agora