O Dia Seguinte
As duas moças não encontraram ninguém no regresso ao presbitério. Deslizaram sorrateiramente para o andar superior sem serem vistas. O sol que surgia no horizonte clareava o caminho. Miss Keeldar, exausta, foi imediatamente para a cama e, mesmo que estranhasse o leito, pois nunca dormira no presbitério, apesar disso, do terror e da excitação pelos quais passara àquela noite, dormiu em seguida um sono reparador.
Uma saúde perfeita era um dos benefícios de que Miss Keeldar gozava. As grandes emoções podiam excitá-la, mas como não era nervosa, não ficava abatida. Se sacudida e agitada durante a tempestade, quando esta passava, sua frescura e elasticidade habituais voltavam. Assim, como cada dia lhe trazia estimulantes emoções, em cada noite achava um sono reparador. Miss Helstone a via dormir neste momento e lia a serenidade da sua alma na beleza e na feliz calma de seu rosto.
Quanto a ela, porque era de um temperamento completamente oposto, não conseguia dormir. Esforçou-se em vão por permanecer ao menos deitada, mas logo se levantou e ficou sentada ao lado de Miss Keeldar. Olhando o sol de junho que despontava no horizonte, ela contava os minutos para que ela acordasse. A vida se esgotava depressa em vigílias semelhantes àquelas a que Miss Helstone estava sujeita. Ela era cristã e nos momentos de aflição buscava a Deus ardentemente, implorando paciência, força e socorro. Mas, pelo resultado de suas orações, parecia-lhe que não eram ouvidas.
Por fim, a casa acordou; as criadas se levantaram; as portas foram abertas. Miss Helstone deixou a cama para a qual retornara – que tinha sido para ela um leito de espinhos – sentiu reviver o vigor que traz sempre um novo dia, a ação a quem o desespero e o sofrimento não aniquilaram ainda por completo. Vestiu-se como de costume, com cuidado, e fez todos os esforços para que nada no seu exterior traísse a aflição que lhe ia dentro da alma. Pareceu tão fresca como Miss Keeldar quando as duas ficaram prontas, com a diferença, todavia, de que os olhos de Miss Keeldar estavam animados e os de Miss Helstone tinham uma expressão de languidez.
– Hoje terei muitas coisas para dizer a Mr. Moore – foram as primeiras palavras de Miss Keeldar, e podia-se ler em seu rosto que a vida era para ela cheia de interesse, de esperança e de ocupação. – Terá que se submeter a um interrogatório. Parece-me que ele pensa que me iludiu muito sabiamente. Os homens, em geral, imaginam que as mulheres se assemelham às crianças. Pois bem! É um erro pensar assim.
Enquanto falava, diante do espelho, arranjava em cachos os seus cabelos naturalmente desarranjados. Ela continuou durante uns cinco minutos com o mesmo assunto, enquanto Miss Helstone lhe apertava a saia e dava o nó no cinto.
– Se os homens pudessem nos ver como realmente somos, ficariam verdadeiramente espantados; mas os mais notáveis, os mais sensatos, iludem-se muitas vezes no que diz respeito às mulheres. Eles não as compreendem, nem em relação ao bem, nem ao mal. A mulher bondosa é para eles um ser fantástico, meio boneca, meio anjo. A má é quase sempre um demônio.
– Shirley, está tagarelando demais! Não consigo apertar isto aqui! Fique quieta. E no mais, se formos ver, as heroínas e os heróis dos nossos autores se equivalem.
– Está enganada: as autoras mulheres traçam os caracteres dos homens com mais verdade do que os autores homens os das mulheres. É o que provarei em qualquer revista quando um dia tiver tempo. Simplesmente o meu trabalho não será publicado. Será recusado muito atenciosamente e ficará às minhas ordens na administração.
– Sem dúvida. A Shirley não poderia escrever completamente, falta-lhe erudição.
– Deus sabe que não vou contradizê-la. Sou ignorante como uma pedra. Mas, uma coisa me consola: você não é mais instruída do que eu.