Os Cadernos Antigos
Quando os habitantes de Fieldhead regressaram a Briarfield, Miss Caroline Helstone estava quase restabelecida. Miss Keeldar, assim que chegou, foi visitá-la.
Uma chuva fina caía sobre as flores tardias e sobre os arbustos que a aproximação do outono amarelecia. Ouviu-se a porta do jardim girar nos gonzos e diante da janela passou a silhueta familiar de Miss Keeldar. Ao entrar no quarto demonstrou seus sentimentos à sua maneira; quando estava perturbada, quer fosse de temor, de alegria, ela falava pouco. Raras vezes permitia que sua boca, ou mesmo os olhos, traíssem a emoção de que estava tomada. Apertou Miss Helstone nos braços, contemplou-a, deu-lhe um beijo e, em seguida, perguntou-lhe:
– Está melhor?
E um minuto depois acrescentou:
– Vejo que está realmente livre do perigo, mas tome cuidado. Foi Deus quem lhe devolveu a saúde e não deseja que ela fique exposta a novos abalos.
Continuou a falar da sua viagem com empolgação. De quando em quando seus olhos voltavam-se para Miss Helstone. Podia ler naquele olhar uma profunda solicitude, um pouco de emoção e também de espanto.
"Ela está certamente melhor", dizia sua expressão, "mas como está fraca! Quanto perigo ela correu!"
De repente o seu olhar incidiu sobre Mrs. Pryor.
– E quando a minha preceptora voltará para junto de mim? – interrogou Miss Keeldar.
– Posso contar-lhe tudo? – perguntou Miss Helstone à mãe.
Como a autorização lhe fora concedida por um gesto, ela informou Miss Keeldar do que se passara durante a ausência dela.
– Muito bem – respondeu sem demonstrar espanto. – Muito bem, mas para mim não é novidade.
– Como? Então você sabia?
– Há muito que eu já tinha adivinhado tudo. Eu conhecia parte da história de Mrs. Pryor, não por ela própria, mas por outros. Conhecia todos os pormenores do caráter e da carreira de Mr. James Helstone. Uma tarde de conversa com Mrs. Mann foi suficiente, pois ela costuma citar Mrs. James Helstone como exemplo, como uma dessas lanternas vermelhas que ela usa para alertar suas filhas para que se desviem do caminho do casamento. Certa vez perguntei a Mr. Yorke sobre este assunto e ele me disse: "Shirley, minha filha, se quer saber alguma coisa sobre Mr. James Helstone, só lhe direi que era um homem tigre. Era belo, depravado, terno, falso, delicado e cruel." Não chore, Caroline, nunca mais falemos dele.
– Não estou chorando, Shirley! Ou, se estou, não é nada. Continue: não seria minha amiga se me ocultasse a verdade.
– Felizmente eu já disse quase tudo o que tinha a lhe dizer, exceto que o seu próprio tio confirmou as palavras de Mr. Yorke, pois, como sabe, ele detesta a mentira. Minha senhora – prosseguiu Miss Keeldar, dirigindo-se a Mrs. Pryor – pensou, por acaso, que eu a veria todos os dias ao lado de sua filha e não observaria as enormes semelhanças que têm em muitas coisas? Perdoe-me, mas tirei minhas próprias conclusões. Tirei-as e se mostraram exatas. Começo a me achar perspicaz.
– E não me disse nada? – replicou Miss Helstone, que conseguira dominar sua emoção.
– Nada. Não me achava autorizada a dizer uma só palavra sobre esse assunto.
– Mas isso não combina com sua maneira de ser, Shirley!
– Por quê?
– Você não é reticente, é francamente comunicativa.