O Caso de Perseguição Doméstica
Martin, depois de ter provado o sabor da aventura, queria saboreá-la mais uma vez. Miss Helstone, aquela moça que outrora ele chamara de feia, e cujo rosto não lhe saía da cabeça, achara-se uma vez dentro de sua esfera e a ideia de que a visita podia não se repetir o perturbava assustadoramente. Sentado à sua escrivaninha, ele procurava uma maneira de acrescentar um segundo capítulo ao seu conto de amor apenas iniciado.
Martin sentia uma repugnância religiosa ao ver que o domingo se aproximava. O pai e a mãe, embora negassem ter alguma coisa em comum com a igreja estabelecida, nunca deixavam de ocupar o seu banco na igreja de Briarfield assim que chegava o dia santo. O pior é que eles eram obrigados a ir e ficar sentados, mesmo contra a vontade.
Por essa razão, Martin detestava o domingo. O culto era demasiado demorado e o sermão do pastor, em geral, pouco do seu agrado. Na tarde daquele dia, porém, as suas meditações silvestres lhe apontaram um novo encanto no dia que viria pela frente.
Foi um dia de muita neve, tão abundante que, durante o pequeno almoço, Mrs. Yorke declarou que seus filhos, em vez de irem à igreja, ficariam em silêncio durante duas horas na sala de estar, enquanto Rose e Martin leriam alternadamente uma série de sermões.
– A Rose fará o que quiser – disse Martin, sem erguer os olhos do livro que, como era o seu costume de sempre, lia ao mesmo tempo que comia.
– A Rose fará o que lhe mandarem e o Martin também – disse a mãe.
– Eu quero ir à igreja – replicou Martin, com a inefável tranquilidade de um verdadeiro Yorke, que, colocado entre a espada e a parede, tendo a certeza absoluta do que queria, se deixaria matar, mas não voltaria atrás.
– O tempo não está bom para sair de casa – atalhou o pai.
Não houve resposta. Martin continuava a ler, com um ar muito sério, a partir lentamente o pão e a beber o leite.
– Martin não gosta de ir à igreja, mas gosta menos ainda de obedecer – disse Mrs. Yorke.
– Está dizendo que somente a minha perversidade me guia? – perguntou o rapaz.
– Certamente.
– Está enganada, minha mãe.
– Então, o que é que o guia?
– Uma complicação de motivos que me seria impossível explicar-lhe o significado, tanto como colocar-me do avesso para lhe mostrar o mecanismo interior da minha pessoa.
– Escutem o Martin, escutem-no! – exclamou Mr. Yorke. – Tenho que fazer este rapaz seguir a carreira de advogado. A natureza o predestinou a viver da sua língua. Minha mulher, o seu terceiro filho será, sem dúvida, advogado, pois tem tudo o que é preciso para isso: descaramento, fatuidade e palavras, palavras, palavras!
– Passe-me o pão, Rose – pediu Martin, com uma serenidade e uma gravidade cheia de fleuma.
A sua voz natural era doce e queixosa, mal chegava, nos seus momentos de irritação, a um murmúrio de uma mulher. Quanto mais o seu humor era inflexível e teimoso, mais a sua voz era afável e triste. Tocou a campainha e pediu afetuosamente por seus sapatos.
– Mas, Martin – observou o pai – a neve é tanta que um rapaz mal poderia abrir caminho. Contudo, meu rapaz – prosseguiu Mr. Yorke, ao ver que Martin se erguia no momento em que o sino da igreja começava a tocar – este caso é daqueles em que não quero impedir um rapaz teimoso de fazer o que lhe der na veneta. Vai à igreja como deseja. Está um vento insuportável, caindo geada, sem falar na neve. Mas vai, se prefere isso a um bom fogo.