Outras Cartas de Negócios
Era da natureza de Miss Shirley Keeldar se deixar levar em certos momentos por pura indolência. Havia períodos em que se deixava ficar em inanição absoluta, em que a ideia de sua existência e do mundo que a cercava parecia ceder. Noutros, ficava numa felicidade tão completa que não levantaria um dedo sequer para aumentar a alegria. Muitas vezes, depois de uma manhã ativa, ela passava a tarde ensolarada sentada na relva, ao pé de alguma árvore de sombra amigável. Nenhuma companhia era preciso, mas a de Miss Caroline Helstone era bem-vinda e lhe bastava. Os seus únicos livros em tais horas de doce indolência eram a vaga recordação do passado ou as páginas enigmáticas do futuro. De seus olhos jovens caíam em cada volume uma luz gloriosa para se ler; o sorriso, que por momentos brincava em seus lábios, dava vislumbres de um romance do passado ou da profecia de um futuro. Contudo, não era um sorriso triste ou mesmo sombrio. O destino tinha sido benigno para aquela feliz sonhadora e prometido favorecê-la mais uma vez: seu passado era de doces paisagens e o futuro de esperanças rosadas.
No entanto, um dia, quando Miss Helstone se aproximou para despertá-la, julgando que ela tinha ficado muito tempo deitada, viu as faces de Miss Keeldar inundadas de lágrimas como se fosse o orvalho. Aqueles belos olhos brilhavam umedecidos.
– Shirley, por que chora? – perguntou Miss Caroline.
Miss Keeldar sorriu e, virando a encantadora cabeça para Miss Helstone, respondeu:
– Porque me agrada imensamente chorar – respondeu. – O meu coração está ao mesmo tempo triste e alegre. Mas, por que não me faz companhia, minha boa e paciente criança? Eu só choro lágrimas doces que depressa se secam. Você é que poderia chorar amargamente.
– Por que eu deveria chorar amargamente?
– Porque é uma ave solitária – foi sua única resposta.
– E você também não tem companheiro, não é, Shirley?
– No fundo do meu coração, não.
– Oh! Quem ousa lá fazer ninho, Shirley?
Mas, Miss Shirley apenas riu alegremente desta pergunta em vez de respondê-la. Pouco depois, levantou-se com vivacidade.
– Eu sonhei – disse Miss Keeldar. – Não passou de um mero devaneio, certamente brilhante, mas provavelmente infundado.
Naquele momento Miss Helstone não tinha ilusões. Ela tinha uma visão suficientemente grave do futuro e imaginou que ela sabia muito bem como seria o seu próprio destino. Ainda assim, antigas associações haviam conservado sua influência sobre ela que, junto com o poder do hábito, traziam-na frequentemente à noite para o campo que dominava a cottage e a fábrica de Hollow.
Numa noite, aquela que se seguiu ao incidente do bilhete, ela tinha ido para o seu posto habitual esperando a aparição do seu farol, o que aguardou em vão, pois nessa noite nenhuma luz apareceu. Esperou até que certas constelações, elevando-se no céu, vieram adverti-la de que a noite avançava e era hora de se recolher. No regresso, passando perto de Fieldhead, o efeito do luar sobre a casa atraiu sua atenção e fez com que parasse. As árvores e a casa erguiam-se pacíficas sob um céu calmo e a plena claridade do astro da noite, o clarão dourado destacava-se harmoniosamente sobre um fundo sombrio. O pavimento amplo da frente brilhava palidamente como se algum feitiço tivesse transformado o granito escuro em um resplandecente mármore. Sobre o espaço prateado destacavam-se duas formas negras, duas figuras humanas. Estas figuras, a princípio imóveis e mudas, começaram a andar e a falar em voz baixa e harmoniosa. Um olhar ardente as seguiu quando elas saíram detrás do tronco de cedro. Seriam Mrs. Pryor e Miss Keeldar?