Mrs. Pryor
Enquanto Miss Keeldar falava com Mr. Moore, Miss Helstone foi ver como estava Mrs. Pryor. Encontrou-a profundamente abatida. Ela não queria confessar que o arrebatamento de Miss Keeldar havia chocado sua sensibilidade, porém sofria, evidentemente, de uma dor na alma.
– Tenho falta de iniciativa e de confiança em mim – disse ela, meigamente – supunha, contudo, que Miss Keeldar conhecesse o meu caráter para saber que tenho sempre um profundo desejo de fazer o melhor possível. Eu não podia tomar aquela responsabilidade e correr o risco de agir precipitadamente no lugar de outra pessoa, mas espero que não tenha sucedido nada de grave devido à minha falta de firmeza.
Neste momento ouviram uma leve pancada na porta que se entreabriu.
– Venha cá, Caroline – disse alguém em voz baixa. Miss Helstone saiu. Na galeria encontrou Miss Keeldar, contrita, envergonhada, aflita como uma criança arrependida.
– Como está Mrs. Pryor? – perguntou.
– Muito abatida.
– Portei-me vergonhosamente, sem generosidade e com ingratidão para com ela – lamentou Miss Keeldar. – Que insolência da minha parte a ter tratado assim, quando ela não era culpada de nenhum mal e havia obedecido apenas a um excesso de delicadeza! Mas, lamento muito sinceramente a forma como procedi. Diga-lhe isto e pergunte se me perdoa.
Miss Helstone fez o que Miss Keeldar pediu, com maior prazer. Mrs. Pryor ergueu-se e veio até a porta. Ela não gostava de cenas, pois tinha receio delas como todas as pessoas tímidas e, numa voz comovida, disse:
– Entre, minha querida.
Miss Keeldar entrou impetuosamente, lançou-se ao pescoço de sua preceptora e, beijando-a efusivamente, disse-lhe:
– Bem sabe que é preciso perdoar-me, Mrs. Pryor. Eu não poderia viver sem a nossa harmonia.
– Não tenho nada a lhe perdoar – respondeu Mrs. Pryor. – Não falemos mais nisso, pois me prova de uma vez por todas que eu sou incapaz de defrontar crises.
E era esse o penoso sentimento que dominava o espírito de Mrs. Pryor. Nenhum esforço de Miss Keeldar e de Miss Helstone conseguiria tirá-la daquela letargia. Ela perdoara Miss Keeldar, mas não podia perdoar a si mesma pelo seu excesso de timidez.
Neste momento vieram chamar Miss Keeldar, que naquela manhã estava destinada a ser incomodada pelas visitas. O pastor acabava de chegar e Miss Keeldar o esperava com um vivo acolhimento e uma reprimenda mais viva ainda. Mr. Helstone acatou ambos com bom humor.
Esqueceu-se completamente de perguntar pela sobrinha. A desordem, os desordeiros, o moinho, os magistrados, a herdeira, tinham absorvido todos os seus pensamentos. Ele narrou a parte que ele e os outros membros do clero tinham se reunido para defender Hollow.
– Toda a cólera dos fariseus vai cair sobre as nossas cabeças pela parte que tomamos nesse caso. Mas desafio todos os caluniadores. Eu só estava lá para dar força à lei, para cumprir o meu dever de homem e de inglês, que considero perfeitamente compatível com as obrigações de pastor e levita. O seu inquilino, Mr. Moore – prosseguiu – ganhou a minha aprovação. Nunca vi comandante mais frio nem mais decidido. Além disso, aquele homem me deu provas de que é ajuizado e sensato. Em primeiro lugar, preparando-se perfeitamente para aquilo que aconteceu e, em seguida, não abusando da vitória. Alguns magistrados têm uma tendência de se mostrarem cruéis, mas Mr. Moore os modera com admirável prudência. Até aqui tem sido impopular na região, mas, pode crer, a opinião sobre ele vai mudar.
Mr. Helstone ia acrescentar mais alguma coisa ao discurso, quando a campainha anunciou outro visitante. Era um senhor de cabelos brancos, com um ar desdenhoso, um velho conhecido e inimigo do pastor; em suma, Mr. Yorke. Mr. Helstone pegou seu chapéu e se despediu bruscamente.