Capítulo 15

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A Expulsão de Mr. Donne

No dia seguinte, Miss Keeldar fez uma referência à reunião da véspera dizendo para Miss Helstone o prazer que ela tinha lhe dado.

– Gosto de presidir uma reunião de homens – disse ela. – Eles parecem conservar qualquer coisa da ingenuidade das crianças quanto à alimentação. No entanto, analiso Mr. Moore algumas vezes para descobrir o que lhe agrada, mas ele não demonstra nada dessa simplicidade infantil. Você já descobriu nele algum ponto vulnerável, Caroline? Você conviveu mais com ele do que eu.

– Não é nada parecido com meu tio ou com Mr. Boultby – respondeu Miss Caroline, sorrindo. Era sempre com secreto prazer que entrava numa discussão sobre o caráter de seu primo com Miss Keeldar. – Mas, na realidade, eu não sei. Porque nunca na minha vida observei Robert sem ficar desconcertada com o meu exame, pois percebia que era ele quem estava me analisando.

– É isso! – exclamou Miss Keeldar – nunca se pode fixar os nossos olhos nele sem que os seus brilhem imediatamente sobre nós. Nunca se deixa apanhar desprevenido. Nunca nos deixa ter vantagens sobre ele. Oh! Eu conheço essa espécie de caráter, ou qualquer coisa do mesmo gênero. Irrita-me singularmente. De que maneira isso afeta você?

Miss Caroline tinha acabado de aprender a se defender dos golpes imprevistos de Miss Shirley Keeldar com a calma de uma pequena Quaker.

– Irrita-a? De que maneira, Shirley?

– Hum! Aí vem ele – exclamou de repente Miss Shirley interrompendo a conversa e correndo para a janela. – Aí vem uma diversão! Não lhe falei de uma soberba conquista que eu fiz ultimamente? E a coisa foi arranjada sem esforço e sem nenhuma intenção da minha parte. A campainha tocou. Acho que são dois. Então eles não caçam em pares? Haverá um para você, Lina, e poderá escolher. Ouça os latidos do Tártaro!

– Escute – exclamou de novo Miss Shirley, rindo. – Parece um prelúdio de um combate sangrento. Eles vão ficar aterrorizados, pois não conhecem o velho Tártaro como eu. Você está escutando a agitação lá fora?

– Deitado aí seu cão malvado. Deitado! – exclamou uma voz imperiosa – depois se ouviu um ruído de um pau ou de um chicote. Em seguida um uivo, uma corrida e um tumulto ainda maior.

– Oh! Mr. Malone! Mr. Malone!

– Deitado, deitado! – exclamou a voz.

– Ele realmente é capaz de fazer meu cão em pedaços – disse Miss Keeldar. – Bateram no coitado e ele não é acostumado a levar pancadas.

Miss Keeldar precipitou-se para fora da sala, enquanto um homem subia de quatro em quatro os degraus da escada de carvalho, procurando apressadamente um refúgio na galeria ou nos quartos. O outro estava encostado ao pé da escada, brandindo um pau nodoso e repetindo: – Deitado, deitado! – enquanto um cão enorme ladrava, uivava, rosnava em volta dele e uma multidão de criados acudia da cozinha. O primeiro já estava em segurança num dos quartos batendo à porta.

– Senhor – gritou Miss Keeldar, com a sua voz vibrante parecendo uma argentina. – Faça o favor de poupar as minhas fechaduras. Sossegue e desça. Este cão não faria mal a um gato – e acariciava Tártaro que tinha se aninhado aos pés de sua dona, mas agitava a cauda de maneira ameaçadora e seus olhos de bulldog brilhavam com fulgor. O cão era geralmente bastante calmo, mas se lhe batessem ou ameaçassem com um pau, tornava-se feroz.

– Como passou, Mr. Malone? – continuou Miss Keeldar, levantando o seu rosto alegre para a galeria. – Não é por aí o caminho da sala. Aí fica o aposento de Mrs. Pryor. Vamos, Mr. Donne, terei o maior prazer em recebê-los numa sala menor.

Shirley (1843)Onde histórias criam vida. Descubra agora