Capítulo 18

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O Trotar dos Cavalos

A noite ainda estava muito quente e abafada. Em volta do sol, as nuvens brilhavam com tons arroxeados; matizes de um verão inglês de aspecto indiano impregnavam o horizonte, lançando reflexos rosados nas laterais dos morros, na frente das casas, nos troncos das árvores que ladeavam a estrada; os raios incidiam sobre o pasto sinuoso tremeluzindo o ondulado caminho.

As jovens desciam dos campos lentamente e foram silenciadas pelos repiques do sino da igreja, onde a multidão ainda se reunia. Fora isso, a cena era solitária.

– Que calma suave e agradável! – exclamou Miss Helstone.

– E como deve estar calor na igreja! – respondeu Miss Keeldar, acrescentando: – E que longo e aborrecido sermão vai fazer o doutor Boultby e como os vigários vão martelar seus discursos! Pela minha parte, preferiria não entrar.

– Mas o meu tio vai ficar zangado se perceber a nossa ausência.

– Aguentarei o choque da sua cólera. Ele não há de me devorar. Não ficarei triste em perder seu discurso pungente, pois ele não vai esquecer a batalha de Royd Lane, mas aqui eu devo ficar. A igreja cinza e seus túmulos mais cinzentos ainda estão divinos com este brilho vermelho sobre eles!

– Venha, Shirley, devemos ir para a igreja.

– Caroline, eu não vou entrar. Vou ficar aqui com a minha mãe Eva em meio à natureza – respondeu Miss Keeldar, prosseguindo com um enorme discurso sobre natureza, mitologia, Titãs, Eva, maçã, Adão e as escrituras sagradas.

– Você com seu humor e seus caprichos, Shirley.

Miss Keeldar, a quem a suave noite quente de verão parecia trabalhar sua emoção com uma energia inusitada, apoiou-se numa pedra tumular, fixou os olhos no poente em chamas e caiu num doce êxtase.

Miss Helstone, afastando-se um pouco, pôs-se a andar de um lado para outro, também absorta nos seus pensamentos. Por um momento, a saudade de sua infância encheu sua alma novamente. O desejo que muitas noites a manteve acordada voltou trazendo com ele o medo que reacendeu de repente; brilhou quente em seu coração o ardor de ter uma mãe, de conviver com sua presença, de olhar para ela com carinho e receber olhares amorosos, de ouvi-la dizer com ternura, com uma voz doce: 'Caroline, minha filha, eu tenho uma casa para você. Viverá comigo? Todo o amor que você precisa e não tem provado desde a infância, eu tenho guardado para você com cuidado. Venha! Você o terá agora!' Contudo, junto com esse doce anseio, veio o receio de que nunca acontecesse e o seu peito se contraiu de dor.

Um rumor na estrada arrancou as duas moças de seus devaneios. Ambas apuraram seus ouvidos e distinguiram o trotar de cavalos. Olharam e viram através das árvores o escarlate dos uniformes, capacetes brilhantes e plumas que ondulavam: seis soldados, em silêncio, em ordem, avançavam tranquilamente pela estrada.

– Os mesmos que vimos esta tarde – murmurou Miss Keeldar – estavam escondidos e não querem ser notados. Dirigem-se para o seu destino enquanto todos estão na igreja. Eu não lhe disse que está acontecendo alguma coisa estranha!

Apenas tinham acabado de ver e ouvir os soldados quando um ruído muito diferente veio romper a calma: os gritos de uma criança impaciente. Ambas olharam na direção. Um homem saía da igreja trazendo nos braços um robusto pequenino que, acabando provavelmente de despertar de um sono, gritava com toda a força dos seus pulmões. Duas menininhas de nove a dez anos o seguiam. O ar livre, algumas flores colhidas sobre um túmulo, acalmaram logo a criança. O homem sentou-se no chão, embalando-a sobre os joelhos. As duas meninas estavam ao seu lado.

– Boa noite, William – disse Miss Keeldar, depois de ter examinado atentamente o homem.

Ele a tinha visto e esperava, com certeza, que ela o reconhecesse. Tirou então o chapéu e esforçou-se por sorrir com satisfação. Ele era um homem de cabeça rude, traços duros e cansados, embora fosse ainda jovem. O seu vestuário era limpo, o dos filhos singularmente bem-cuidado. Era o nosso velho amigo Farren. As moças aproximaram-se dele.

– William, como vão os negócios? Está contente com sua situação? – perguntou Miss Keeldar.

– Estou muito contente, Miss Keeldar. Desde que me fiz jardineiro com a ajuda de Mr. Yorke, não tenho do que reclamar. Mas os meus vizinhos continuam passando muita necessidade e muitos estão na miséria.

– E, em consequência, muito descontentamento, suponho? – perguntou Miss Keeldar.

– Em consequência, a miss diz bem. Gente que morre de fome não pode estar contente, nem sossegada. E não faltam pessoas desonestas para levá-los para o diabo. Patifes, dizendo-se amigos do povo, mas que não sabem nada deles e falsos como Judas. Pela minha parte, não quero ser patrocinado nem enganado para prazer de nenhum homem. Foram-me feitas recentemente propostas que eu reconheci desleais e que lancei na cara de quem me fez.

– Não quererá relatar-nos essas propostas?

– Não, isso não serviria de nada. Aqueles a quem elas dizem respeito podem velar por si mesmos.

– Sim, nós devemos velar por nós próprios – concordou outra voz.

Joe Scott tinha escapulido da igreja para respirar um pouco de ar fresco e estava ali, ao lado deles.

– É o que eu lhe aconselho – disse William, sorrindo.

– E o que aconselharei ao patrão – foi-lhe respondido. – Minhas jovens senhoras – continuou Joe Scott, tomando um ar de importância – fariam melhor se fossem para casa.

– Gostaria de saber o porquê – interrogou Miss Keeldar, a quem as maneiras um pouco impertinentes do contramestre lhe eram familiares e que, volta e meia, pegava-se com ele. Joe Scott tinha teorias despóticas sobre as mulheres e, em geral, lastimava-se secretamente de que seu patrão e a fábrica estivessem, de certa maneira, sob o governo de saias.

– Porque não há aqui nada que interesse às mulheres.

– Verdade? Mas reza-se e prega-se nessa igreja. Então isso não interessa às mulheres? – ironizou Miss Keeldar.

– A senhora não esteve presente nem na oração nem no sermão, se não estou enganado. Era à política que eu fazia alusão. Farren falava desse assunto. Eu bem escutei.

– E então? A política é o nosso assunto usual, Joe. Não sabia que eu leio jornais? Aliás, seu próprio patrão os leva para mim.

– Acreditaria de boa vontade que a miss lesse as notícias sobre casamentos, assassinatos, acidentes e outras coisas parecidas.

– Joe, sua sorte é que estamos próximos à igreja, senão você escutaria o que eu penso sobre homens como você. Mas temos que deixá-los. Adeus, homens dos preconceitos. Meninos, venham a Fieldhead amanhã e poderão escolher o que mais lhes agradar na despensa de Mrs. Gill – Miss Keeldar disse aos filhos de Farren. 

Shirley (1843)Onde histórias criam vida. Descubra agora