Capítulo 37

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Desenlace

Não duvido de que o público apaixonado por justiça tenha notado a indiferença manifestada por mim em perseguir, apanhar e conduzir ao castigo o homem que tentou assassinar Mr. Moore. O criminoso nunca foi castigado, pela simples razão de que nunca o apanharam devido a uma circunstância: nunca ter sido perseguido.

Os magistrados deram a impressão de quererem fazer apenas barulho, mas como o próprio Mr. Moore, em vez de exigir vingança, como anteriormente, deixara-se ficar tranquilamente na sua cottage, rindo à toa, mudaram de opinião e resolveram prudentemente não tocar mais no caso e assim o fizeram.

Robert Moore sabia quem disparara contra ele, aliás, Briarfield inteira o sabia. Não era outro senão Mike Hartley, o tecelão meio louco do qual já falamos. O pobre homem morreu de doença um ano após a tentativa de assassinato e Mr. Moore deu a infeliz mulher o dinheiro para o enterro.

O inverno passou; a primavera veio com sua claridade, suas sombras e o colorido das flores e dos aguaceiros.

Estamos agora em pleno verão, em meados de junho, e o dia está sufocante. O céu, de um azul profundo e de um vermelho ouro, convém ao atual espírito da nação. Nesse verão Bonaparte está em ação. Percorre com os seus exércitos os desertos russos, tem consigo franceses, polacos, italianos e filhos do Reno em número de seiscentos mil homens. Marcha sobre a antiga Moscou. Junto aos muros dessa cidade, esperam por Bonaparte os cossacos: homens livres, rudes, bárbaros, estoicos, que não se aliavam a ninguém.

Nesse ano, lorde Wellington tomou o comando do exército na Espanha. Fizeram-no general para a salvação da Inglaterra. O general e seus exércitos tomaram Badajoz, combateram no campo da vitória, conquistaram Pamplona e tomaram de assalto São Sebastião e, no mesmo ano, tomaram Salamanca. Finalmente o triunfo chegou.

Em 18 de junho de 1812, as Ordenações Reais foram revogadas e os portos bloqueados foram abertos. O leitor que tem idade para se recordar sabe como, nessa ocasião, foi feito repercutir os ecos de Yorkshire e de Lancashire com os gritos de alegria. De tanto tocarem, fenderam um sino da torre de Briarfield. Ainda hoje o som emitido por ele é oco. Liverpool estremeceu e resfolegou como um cavalo-marinho que um trovão desperta no meio dos seus canaviais. Os estoques que tinham sido acumulados durante anos esgotaram-se num abrir e fechar de olhos. Os armazéns ficaram vazios, os navios carregados, o trabalho abundante e os salários subiram.

Quando uma província inteira rejubila, até os mais humildes dos seus habitantes têm a sua parte na festa. Assim pensava Miss Caroline Helstone enquanto se arranjava, mais cuidadosamente do que de costume, nesse dia de comércio triunfante, vestindo-se da musselina mais imaculada, para ir passar a tarde em Fieldhead a fim de olhar os preparativos e cuidar da vestimenta que seria usada em grande acontecimento.

Louis tinha previsto dificuldades e as tinha encontrado. A sua amada mostrara-se deliciosamente provocante, adiando o casamento de dia para dia, de semana para semana, de mês para mês, persuadindo, a princípio, depois o forçando a revoltar-se.

Fora necessária uma espécie de tempestade para trazer Miss Shirley Keeldar à razão, mas agora estava aguilhoada a um dia fixo, conquistada pelo amor e ligada por sua palavra.

Não se ocupou com nenhum dos preparativos para o casamento. Louis foi obrigado a dirigir tudo. Foi o senhor de fato em Fieldhead semanas antes de o ser por direito: o menos presumido e o mais benévolo dos senhores, só absoluto com a noiva. Ela abdicou sem uma palavra nem luta. Dizia: – Perguntem a Mr. Moore, vão ver com Mr. Moore – tal era a resposta quando lhe pediam ordens.

– O Louis – dizia ela mais tarde – nunca teria aprendido a reinar se eu não o tivesse deixado governar: a incapacidade do soberano aumentou os poderes do primeiro-ministro.

Shirley (1843)Onde histórias criam vida. Descubra agora