Tio e Sobrinha
Os dados estavam lançados. Sir Philip o sabia; Miss Shirley Keeldar também; aquela noite em que toda a família de Fieldhead jantou no Priorado de Nunnely decidiu o caso.
Duas ou três coisas levaram Sir Philip a declarar-se. Tinha notado que Miss Keeldar andava com o ar doente e pensativo. Aquela sua nova fase, a sua maneira de ser fragilizada, havia impressionado seu lado fraco, seu lado poético; um soneto espontâneo, de repente, fermentou-lhe no cérebro.
Havia na sala de visitas um reduto profundo, com uma janela que era como um quarto dentro do outro. Ali duas pessoas podiam ter uma conversa inteiramente secreta, desde que não falassem muito alto.
Sir Philip convenceu duas das irmãs a cantarem um dueto; arranjou entretenimento para as misses Sympson, e as senhoras mais velhas conversavam uma com as outras. Ele tinha uma história a lhe dizer a respeito de um dos seus antepassados de sombria beleza, aproximou-se dela e começou sua narração.
Havia numa espécie de vitrine, colocada em frente ao reduto, objetos que tinham pertencido à mesma mulher e, enquanto Miss Keeldar parava para examiná-los, Sir Philip deteve-se também e murmurou-lhe algumas frases rápidas.
A princípio Miss Keeldar foi tomada de tal imobilidade que se poderia crer que a magia daquele murmúrio fizera dela uma estátua, mas não tardou a erguer os olhos e a responder. Separaram-se. Miss Keeldar voltou ao seu lugar junto ao fogo; apenas Mr. Sympson tinha notado o incidente. Superficial, impaciente e teimoso como sempre, voltou triunfante para Fieldhead.
Contudo, não era homem para guardar segredos; quando estava orgulhoso de alguma coisa, não podia deixar de falar dela. No dia seguinte de manhã, tendo ocasião de empregar o preceptor do filho como secretário, anunciou-lhe, com uma entonação e modos inchados de vaidade, que era melhor ir-se preparando para voltar dentro em breve para o Sul, visto que um importante negócio que o retivera em Yorkshire durante tanto tempo estava em vésperas de ter a mais feliz conclusão, e que uma honrosa aliança estava a ponto de aumentar as relações da família.
Durante um ou dois dias Mr. Sympson mostrou-se macio como veludo, mas ao mesmo tempo, à medida que o segundo dia terminava, começou a ficar ansioso e parecia andar sobre brasas. Espreitava continuamente à janela procurando ouvir o rodar de uma carruagem.
Por fim veio uma carta. Ele próprio a entregou a Miss Keeldar; conhecia aquele sinete, mas não assistiu à leitura, pois a moça levou a carta para seu quarto. Ele também não viu a resposta. Perguntou à sobrinha se ela havia respondido e ela disse que sim.
Ele continuou a esperar, sem coragem para perguntar, pois havia uma expressão no rosto de Miss Keeldar, algo para ele inviolável. Teve por mais de uma vez a ideia de fazer um apelo ao seu filho Harry para saber o que se passava, pois este era muito amigo da sobrinha, mas as conveniências proibiam-lhe e o próprio Harry andava com ar de um aluno para quem as gramáticas são confusas e os dicionários mudos.
Entediado, Mr. Sympson tinha ido passar uma hora com os amigos de Walden-Hall. Voltou mais cedo do que esperava; a família dele e Miss Keeldar estavam reunidas na sala forrada de carvalho. Dirigindo-se a Miss Shirley, pediu que passasse com ele para a outra sala, porque desejava ter uma conversa estritamente particular.
Miss Keeldar ergueu-se sem lhe fazer qualquer pergunta nem manifestar surpresa. Fechados no salão, instalou-se cada um em sua poltrona, um em frente do outro, a alguns passos de distância.
– Fui a Walden-Hall... – disse ele. Fez uma pausa. Miss Keeldar tinha os olhos fitos no lindo tapete verde e branco. Não era coisa que merecesse qualquer comentário.