A Caridade de Miss Shirley Keeldar
"Claro, eu sei muito bem que ele vai se casar com Shirley", foram as primeiras palavras que vieram à mente de Miss Helstone quando ela se levantou na manhã seguinte. "E ele deve se casar com ela, pois ela pode ajudá-lo", acrescentou com firmeza. "Mas, eu serei esquecida quando se casarem", pensou com amargura. "Oh, eu serei totalmente esquecida; e o que farei quando o meu Robert estiver perdido para mim? O que será de mim? O meu amado Robert! Como eu gostaria de poder chamá-lo de meu! Mas eu sou pobre e incapacitada de ajudá-lo! Shirley é rica e tem poder, além de bela e amorosa, isso eu não posso negar. Ela o ama, não com sentimentos inferiores. Como ele deve se sentir orgulhoso de ser amado por ela! Nenhuma objeção válida poderia ser feita. Deixe que se casem, então; mas depois eu não serei mais nada para ele. Quanto a ser uma espécie de irmã dele e todas essas coisas, eu desprezo. Quero ser tudo ou nada para um homem como o Robert. Uma vez juntos, tenho que deixá-los. Sinto-me tão pouco capaz de fazer o papel de uma amiga e também de inimiga. Para mim Robert é um homem maravilhoso. Amei, amo-o e devo amá-lo para sempre. Eu queria ser a sua esposa se eu pudesse; como não posso, tenho que ir para onde eu nunca mais o veja."
Estas reflexões ocuparam a mente de Miss Helstone até o final da tarde, quando uma das personagens que assombravam seus pensamentos passou próximo à janela da sala. Miss Keeldar caminhava lentamente, o seu andar e a sua expressão davam a impressão de sonho e indolência que lhe eram habituais. Quando ela se animava, a indolência desaparecia, seu ar melancólico tornava-se alegre e genial, temperando seu riso e seu olhar com um sabor único e especial, de modo que a alegria dela parecia o crepitar dos espinhos embaixo de uma panela.
– Por que não foi me ver esta tarde como havia me prometido, Caroline?
– Não estava de bom humor – respondeu Miss Helstone, muito verdadeiramente.
– Não? – Miss Shirley fixou nela seu olhar penetrante. – Vejo que não está disposta a conversar. Está em um de seus humores inclementes. Sabe quando você sente que sua presença não é bem-vinda? Sinto isso.
– Desculpe-me, Shirley. Não dormi bem.
– Não se preocupe. Mas, como acho que precisa de uma amiga, ficarei para o chá. Vou tomar essa liberdade e já vou retirar o meu chapéu.
E isto ela fez e depois ficou de pé com as mãos atrás das costas.
– Está com uma expressão esquisita – continuou ela, ainda olhando intensamente para Miss Caroline, embora não hostilmente, mas, talvez, penalizada. – Parece uma pobre corça ferida procurando a solidão. Você tem medo de que eu a atormente e descubra do que se trata essa ferida, essa mágoa que está sangrando você?
– Nunca tenho medo da Shirley.
– Mas, às vezes, você não gosta dela... Muitas vezes a evita. Não pode evitar a Shirley e sentir inimizade por ela sem que ela perceba. Se você não tivesse voltado ontem à noite na companhia de quem você sabe, hoje seria uma garota muito diferente. A que horas chegou ao presbitério?
– Às dez.
– Hum! Levaram três quartos de hora para andar uma milha? Quem foi que andou tão devagar, Caroline ou Mr. Moore?
– Shirley, você está falando bobagens.
– Aposto que ele lhe disse um monte de bobagens, não duvido, ou, pelo menos, ele teve essa intenção, o que é mil vezes pior. Vejo o reflexo de seus olhos em sua testa neste momento. Seria capaz de desafiá-lo se pudesse encontrar um segundo com quem pudesse contar. Estou desesperadamente irritada. Eu me senti assim ontem à noite e, hoje, tenho estado o dia todo. Não me pergunte por quê – continuou ela, após uma pausa – você é muito modesta e silenciosa. E você não merece que eu derrame meus segredos em seu colo sem um convite à minha palavra. Ontem à tarde eu estava disposta a esperar por Mr. Moore com cruéis intenções. Tenho pistolas e sei usá-las.