Um cenário invulgar me aparece à vista. O meu sítio no autocarro está ocupado.
Pago distraidamente o preço do bilhete ao motorista, olhando para o meu lugar. O cabelo castanho curto e a estrutura dos ombros denuncia-o. Liam.
Esboço um sorriso em confusão assim que me aproximo do lugar à sua frente, no seu - agora - lugar habitual.
Ele sorri em resposta, mas nada diz. Os seus pés descansam mesmo à beira do meu lugar, quase encostados à minha coxa esquerda. Não me importo, aliás, coloco os meus encostados à sua coxa, do outro lado.
Hoje é sexta, e pelo que sei, o último dia de aulas deste ano. Estou um pouco preocupada, pois não sei se o vou ver depois disso. Não sei bem se pergunto, ou se apenas deixo que ele me diga. Não sei se ele me quer ver, se quiser ele me dirá alguma coisa. Ou assim espero.
As coisas parecem tão complicadas e não me quero forçar-nos a pensar nelas quando o que temos é apenas aquilo que é. Tudo e nada, eu não sei o que é, mas é algo. E por mais que pense nisso não consigo arranjar melhor definição do que isto.
As árvores já tão familiares passam vagarosamente lá fora. Hoje está tudo mais parado, mais lento, e agradeço pois assim posso desfrutar durante mais tempo destes momentos.
Sinto o Sol bater-me no rosto e fecho os olhos apreciando o seu calor na minha face.
"Estás pensativa." Liam indica. Olho diretamente para ele, distraindo-me. Os seus olhos estão expectantes e por cima destes, na sua testa, se encontram ténues rugas, em confusão. Toda esta simetria parece divina quando o Sol embate na sua face.
"Eu gosto do Sol." Declaro, espantando Liam com a minha resposta. Devolvo o meu olhar para o exterior, fechando as minhas pálpebras para sentir mais uma vez o calor e o poder que o Sol tem sobre mim. "O Sol tem a sua própria luz, não precisa de mais nada para brilhar. Ele ilumina os outros, mantém-nos vivos." Pauso, voltando a olhar para o rapaz sentado à minha frente, que me sorri.
"O Sol é tão grande, ele aquece-me. É algo perene, algo permanente mesmo não o vendo sempre. Sinto-o todos os dias, mesmo quando o tempo é meio nublado, e talvez seja principalmente nesses momentos que o sinto mais." suspiro, colada nos seus lindos olhos castanhos. "Ele é a minha luz, guia-me para um lugar melhor. Sem ele, sem esta luz, viveria no escuro, sem direção. Eu gosto dele." Divago, percebendo que me distanciei bastante do tema. Fui para um assunto meio profundo, meio estranho e confuso. Meio Liam. "Eu gosto dele."
Liam parece surpreendido e não é de admirar. Os meus devaneios conseguem ser bem estranhos e assustadores, por vezes. Este, no entanto, foi um tanto profundo. Não sei bem o que me deu hoje.
"Eu gosto da Lua." Entreabro os meus lábios surpresa. "Eu gosto do mistério que ela traz consigo. Ela pode precisar do Sol para brilhar, mas ela continua a ter a sua luz interior e a conseguir iluminar com ela. A Lua não é egoísta, ela deixa que as estrelas ao seu lado brilhem junto dela."
Os meus olhos lacrimejam. Ele está a falar de mim. "Ilumina tudo quando tudo está às escuras, quando tudo é noite. Ela está lá quando olhas para o céu, mesmo de dia, por vezes, encontras-la, meio ofuscada pelo Sol. Eu vejo o quão branca ela consegue ser, o quão luminosa e aconchegante ela parece." Ele faz uma pequena pausa, sorrindo. "Ela é tão linda, mas nem sabe disso. Quando olho para ela vejo todos aqueles buracos, todas aquelas cicatrizes das más recordações e eu só quero cuidar dela, ficar junto dela."
"Eu acho que o Sol não consegue ficar sem a Lua, tal como a Lua não consegue ficar sem o Sol. Eu não consigo ficar sem a Lua. Não consigo, porque eu gosto da Lua, eu gosto dela." Finaliza com um grande sorriso nos seus lábios, fazendo-me derreter.
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The White Bus |l.p|
Fiksi PenggemarNão é como se uma viagem de autocarro fosse mudar a minha vida, certo?