Chego a casa já ao início da noite. A casa parece silenciosa, mas assim que entro a minha mãe corre até mim.
"O que te deu na cabeça para saíres assim? Ainda por cima sem o teu telemóvel?" Ralha ela, desvio o meu olhar para o meu tio de braços cruzados à beira da porta. Com um ar descontraído, cumprimenta-me. Ele está cada vez a ficar mais estranho e tenciono decifrar o todo o mistério em volta deste homem.
"Eu sei, mãe" Olho para os seus olhos, que se mostram confusos, com as sobrancelhas franzidas como sempre faz.
Quero que a conversa continue, mas as minhas palavras não saem. Tenho medo que assim que diga as palavras, ela confirme. Pode ser só uma brincadeira do meu pai, para que fique chateada com a minha.
Tento agarrar-me a esta ideia ridícula, mesmo sabendo que não tem hipóteses de isso poder acontecer.
"Eu sei que o meu pai, não era mesmo o meu pai."Os olhos da minha mãe arregalam-se e tenho a confirmação que não queria, mas que precisava.
Os meus olhos aguam. "Então é verdade." Sento-me no sofá, tentando perceber que toda a minha infância foi uma mentira.
E choro de novo. A verdade está agora estabelecida.
Acho que o que me faz chorar mais é o choro da minha mãe, silencioso, para não me acordar, para eu não me chatear. Ela olha para o teto sem olhar para mim, penso que por vergonha, por não se sentir digna de tal gesto.
Ninguém fala, percebo então que o meu tio já desapareceu, por alguma razão.
Já me acalmei, e olho para a minha mãe, ainda devastada, procurando respostas. Desejando respostas. Merecendo respostas.
"Eu vou responder a todas as perguntas que quiseres perguntar, mas só quero saber quem te disse?" A sua voz quebra, fazendo o meu coração fazer o mesmo.
"Tinha uma carta, escondida na gaveta da nossa casa antiga. Eu guardei-a e encontrei-a hoje." Expliquei, resumidamente, escondendo os pormenores misteriosos. Não achei relevantes contar à minha mãe.
"Do teu pai?" Pergunta.
"Do teu marido." A sua cabeça abaixa-se, constrangida. Senti-me mal, mas era exatamente o que queria dizer.
"Eu vo-vou-te contar." A sua mãe, passa pelas suas bochechas rosadas, retirando as lágrimas aí depositadas. Demora um tempo para se recompor, ao qual respeito sossegadamente. "Eu amava o teu pai-o Dereck." Ela chora, mas silencio-me para ouvir a sua história. "E é por isso que eu fiquei com ele todos estes anos. Eu ainda o amo. E pode parecer doente, e talvez um bocado. Mas eu não o amo porque ele me batia, e me chamava nomes, mas porque eu ainda estava apaixonada pelo homem que conheci. Eu esperava que ele voltasse para mim. Que ele finalmente me abraçasse como dantes, me amasse como antes."
"Um deslize, eu odeio essa palavra, mas foi isso que aconteceu. A culpa foi minha." Ela deixa de chorar, para se manter séria no segundo a seguir. As lágrimas não combinam com a sua expressão, tornando-a assustadora. "Eu era uma rapariga muito festeira. "
Ela desata a chorar, e eu tenho uma ideia do que ela vai dizer. "Eu não sei quem é o teu pai, Dorothy. Aquela noite é um borrão na minha cabeça. Eu não me lembro de nada, é como se nada tivesse acontecido. Mas sei que aconteceu, porque dias depois vários rapazes vinham falar comigo, sobre essa noite, e e-eu, eu só pensava no Dereck, e como eu o tinha traído. Várias vezes." A minha boca abre-se em surpresa. Ela não me olha, e assim continua o seu discurso.
"Depois, no mês seguinte, descobri que estava grávida de ti. O meu mundo caiu, ainda pensei que podias ser do Dereck, mas eu fiz as contas milhões de vezes... Eu não sei Dotty, eu pensei que tudo pudesse ficar normalmente, eu e o teu pai queríamos um bebé de qualquer maneira, então tudo ficaria bem." Ela acalma-se mais uma vez, e acho que já chorou tudo o que tinha para chorar. "Acho que para além de o amar, continuei com ele em forma de punição depois de tudo o que lhe fiz. A culpa é toda minha de todos estes anos ter sido agredida, a culpa sempre foi minha."
As suas palavras deixam-me sem palavras. Ninguém merece ser tratado como o meu pai a tratou, pelo pior crime que cometesse, mas não lhe digo.
O meu silêncio parece perturbá-la, e ela ajeita-se no sofá desconfortavelmente.
"Porque lhe decidiste contar?" Questiono, finalmente.
Ela olha para as suas mãos, evitando o meu olhar. "Eu e o teu pai, discutíamos constantemente quando tinhas cinco, seis anos. Acho que estavamos a chegar a um limite nessa altura, mas eu nunca tinha percebido isso até à pouco tempo." Até à pouco tempo? "Ele estava a opinar sobre a tua educação e sobre onde queria que fosses pelo primeiro ano, e eu tinha uma opinião totalmente diferente da dele. Não sei bem porquê, recordo-me hoje que a escolha dele era a melhor. Acho que só queria ser do contra. Naquela época, eu podia ser do contra, então eu era. Muito. Foi então que eu disse, e eu lembro tão bem das palavras." Ela fecha os olhos, pensando no acontecimento, com um certo sofrimento notório no seu rosto. "Ela nem sequer é tua filha."
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ya, é isso.
BabyPopcorn xx
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The White Bus |l.p|
FanfictionNão é como se uma viagem de autocarro fosse mudar a minha vida, certo?