Tio Richards

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A minha visão está enevoada. As lágrimas no canto dos meus olhos estão a dificultar a minha vista, fazendo-me tropeçar múltiplas vezes. Sinto o vento a atravessar os meus finos cabelos à medida que corro o máximo que consigo. O sol está a por-se, num lindo cenário de começo de inverno, mas não quero saber disso agora.

Chego à paragem onde sempre espero o autocarro, mas passo-a a grande velocidade. Dezenas de pessoas param apenas para olhar para mim, uma adolescente maluca que chora enquanto está a correr pela sua vida. Não quero saber. Apenas me foco no meu destino, que não é tão claro como gostaria que fosse.

Não sei como reagirá ao me ver. Eu só quero que me envolva em seus braços e me aperte bem forte, sem nunca me largar.

Nem sei qual é a sua casa. Só espero ter um golpe de sorte.

Corro. Corro muito. O caminho reto deixa de o ser, e viro em curvas à sorte. Continuo a correr. Mas eventualmente paro, assim que percebo que a minha ideia é estúpida. Encosto-me a um muro, enquanto o choro me invade por completo. Sinto as minhas pernas perderem forças e deslizo pelo muro até ficar sentada.

Tenho a carta na mão. Observo mais uma vez a letra desleixada do meu pai, mesmo sabendo que o melhor é ignorar e tentar esquecer para seguir em frente. Não consigo, continuo a olhar uma e outra vez, como que massacrando-me.

Ouço uma porta fechar-se com força. Em frente, uma grande casa ergue-se e à porta, com um saco de lixo, encontra-se Liam, surpreso com a imagem que se encontrava à sua frente.

Levantei-me imediatamente, esquecendo o quão improvável esta cena parece, dirigindo-me o mais rápido possível até ele, colidindo com o seu corpo. Não me doeu, no entanto não estava incomodada com esse pormenor.

O saco que outrora segurava, estava caído no chão, enquanto os seus braços me rodeavam e me apertavam, exatamente como eu queria. E as lágrimas automaticamente pararam, como que por magia, como se o pequeno toque dele, fosse a cura para o meu sofrimento.

Naquele momento, esqueci tudo e apenas o respirei, inalei-o e senti-o bem perto de mim. A sua fragrância era a mesma de sempre, fazendo-me sorrir com a familiaridade do cheiro.

Mas o momento tinha de acabar, é apenas o ciclo da minha vida. Liam puxa-me para fora do conforto dos seus braços e pede-me para me sentar nos degraus à frente da sua porta. O silêncio não dura muito até que, por minha própria iniciativa, entrego-lhe a carta pedindo que ele a leia.

Os seus olhos correm pela folha, e os meus olhos aguam lembrando do que está ali escrito. Ele acaba de ler e olha para mim, mas não lhe dou tempo de dizer alguma coisa.

"Não venhas com sinto muito, eu já sei que sentes. Eu nem sei o que pensar sobre isso que ele escreveu. Eu não quero falar sobre isso. Eu só preciso que te cales, e que me abraces." Pedi, sabendo que ele não iria recusar o meu pedido.

"Porquê? Porque é que não queres falar?" A minha boca abre-se em espanto. Ele passa as suas mãos pelo rosto, exasperado, não sei se para comigo, ou pelo que acabou de dizer. "Olha, eu juro, que só quero o teu bem, mas porquê que vieste aqui? Tu queres falar, ou pelo menos tu tens de falar."

Os seus olhos estão em mim e eu desvio os meus para o chão. "Eu vim para estar contigo." Eu digo, mas nem me consigo convencer a mim própria. Em parte, sim, quero estar com ele, mesmo depois da maneira fria com que ele me deixou da última vez que estivemos juntos. Mas, eu sei que tem outra razão por detrás desta. Talvez seja para falar, mas porquê que é tão difícil?

E começo a falar, não daquilo que ambos estavamos à espera no entanto, mas de algo que me ocorreu. "O meu tio tem alguma coisa a ver com isto." Afirmo, certa da minha teoria. "Tenho a certeza que guardei a carta numa das caixas de arrumação, que estão no sótão, mesmo antes de sair da minha casa. E de repente aparece-me dentro da minha gaveta." Lanço os meus pensamentos para o alto, não tendo como destino o Liam, apenas tento organizar os meus pensamentos.

Liam mexe-se ao meu lado, contente por me ouvir falar sobre o assunto, mesmo não sendo o pretendido.

"Não pode ter sido a tua mãe, ela não teria interesse nenhum em dar-te a conhecer essa informação." Liam conclui, fazendo com que olhe para ele finalmente, sorrindo por estar a colaborar comigo.

"Exato, só o meu tio poderá ter algo a ver com esta carta." Penso no porquê. O que o meu tio teria a ganhar com isto?

"Eu não quero insinuar coisas, mas o teu tio não será..." Abro os meus olhos em espanto. Sei onde ele quer levar com esta frase, mas só o pensamento dela, dá-me voltas ao estômago.

"Não, o meu tio é irmão da minha mãe. Seria estranho, para dizer o mínimo." Liam ri-se, e abro um sorriso ao perceber que o diverti. O seu sorriso é a única coisa que me faz sorrir no meio de todo o caos do meu mundo.

"Só estou a dar palpites." Ele levanta as mãos em forma de defesa e não consigo evitar não rir, fazendo uma limpeza ao caos do meu mundo. "Não estás chateada com a tua mãe?" Liam pergunta, e os meus pensamentos voltam todos.

"Por estranho que pareça, não tanto como o meu pai gostaria que eu ficasse. Eu sei que uma das intenções dessa carta, para além de dizer que me ama, era para que eu ficasse zangada com a minha mãe. E estou, e vou falar com ela, mas acho que ela já sofreu demais para ser castigada por mim também." Liam sorri, não sei bem porquê. "Eu vim aqui porque é só contigo que consigo clarear a minha mente. Se não viesse ter contigo, iria zangar-me com a minha mãe e provavelmente iria fugir. Fiquei triste, mas chateada. Porque imaginei que se alguém me tivesse dito mais cedo talvez não tivesse crescido com aquele homem, sabes? Mesmo que o tenha amado, apesar de tudo, e mesmo que ele me amasse, se alguém me tivesse dito mais cedo poderiam ter terminado com tanto sofrimento."

Suspirei. "É, acho que queria falar contigo, desanuviar a cabeça para depois voltar com uma ideia formada do que vou fazer a seguir." Olhei para os olhos castanhos dele, pacíficos e pacientes, esperando que eu continuasse o meu discurso. "Mas eu realmente gostava que te calasses e me abraçasses." Sorrio vendo-o gargalhar e fazer exatamente o que lhe disse. 

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EU SOU TÃO MÁ DURANTE AS FÉRIAS, NÃO HÁ DESCULPA

BabyPopcorn xx

The White Bus |l.p|Onde histórias criam vida. Descubra agora