Saio do edifício para o qual todos os dias me dirijo e solto um suspiro de alívio. Este lugar sempre me vai assustar, mesmo sabendo que as pessoas daqui só querem o meu bem.
A paragem do autocarro é mesmo em frente ao edifício e eu espero aí mesmo. Sentada, procuro entreter-me, visto não ter telemóvel. Na minha casa, apenas o meu pai tem telemóvel, porque eu e a minha mãe "não precisamos", como ele diz.
A minha mãe já teve um telemóvel, às escondidas dele, logo no início deste mês. Usava-o para telefonar para o sr.Rodriguez, o dono do edifício atrás de mim, sem o meu pai saber. Mas não resultou muito bem visto que, um dia, esqueceu-se dele em cima da mesa e o meu pai encontrou-o. E o habitual aconteceu.
Uma voz distante parece chamar o meu nome e então reparo que estou com a cabeça nas minhas mãos e com os cotovelos nos joelhos, completamente encolhida, no meu próprio casulo. O meu couro cabeludo começa a doer por ter sido puxado com muita força pelos meus dedos, e das minhas unhas terem-no arranhado consecutivamente.
A minha cabeça roda e conseguir ver o sr.Rodriguez. Ele aproxima-se de mim e eu não me dou ao trabalho de responder ao seu chamamento.
"Menina, está tudo bem? Estava lá dentro e vi-a um pouco... desorientada."
Ele quis dizer que parecia que estava a ter uma crise. E por mais que me custe admitir, a verdade é que estava quase.
"Eu estou bem." foi a única coisa que disse, na minha voz rouca.
"Tem a certeza, é que..." interrompeu-se a si próprio vendo a minha cara e percebendo que não iria responder a mais nada. "Tudo bem. Mas eu fico aqui consigo até o autocarro chegar." Sorriu para mim e sorri-lhe de volta, um sorriso frouxo, sem vontade. A verdade é que apesar de gostar da companhia do senhor ao meu lado, depois do que aconteceu, a minha vontade de sorrir se foi de vez, pelo resto do dia
Olho para o meu relógio e verifico que falta cerca de 10 minutos para o autocarro passar por aqui. Encosto-me fechando os olhos. Uns grandes olhos castanhos atravessam a minha mente. Abro imediatamente os olhos, recebendo um olhar de preocupação do homem ao meu lado. Recomponho-me e abano a cabeça para ele em sinal de que está tudo bem.
Mas que raio?! Porque é que penso naqueles olhos quase todos os minutos do meu dia? Eu nem o conheço!
Apesar de normalmente estes olhos me acalmarem, a sua lembrança causa-me confusão. Porque é que eu penso nos seus olhos, nele, se eu nem o conheço? E porque é que sempre que olho para ele, para o seu sorriso e os seus olhos, isso consegue me acalmar e afastar de tudo o resto que é a minha vida. O pensamento de poder estar começar a desenvolver algum tipo de sentimento por uma pessoa que não conheço aterroriza-me. Isso não pode acontecer.
Vejo o autocarro chegar e levanto-me. O sr.Rodriguez despede-se de mim e eu apenas aceno com a minha mão. Entro no autocarro e este encontra-se vazio. Depois de pagar o valor da viagem vou para o meu lugar.
Coloco os meus pés em cima do banco à minha frente e a cabeça encostada à janela. A viagem demora sempre uma boa meia hora e eu olho lá para fora e não penso em nada em especifico.
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The White Bus |l.p|
FanfictionNão é como se uma viagem de autocarro fosse mudar a minha vida, certo?