obrigado

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O meu telemóvel ilumina-se e sei que é a minha hora de ir. Mesmo não vendo quem é, sei que o meu tio entrou no meu quarto e agora deve estar desesperado à minha procura.

No ecrã aparecia em letras bem grandes: TIO RICHARD. Provavelmente foi ele quem guardou o contacto em caso de emergência. Tenho quase a certeza que ele já deve ter contado à minha mãe. Tenho de ir agora embora!

Mas assim que o pensamento me passa pela minha mente, entristeço. Não quero sair daqui, estou tão bem. Devemos ter passado no máximo meia hora juntos, a conversar. Uma conversa com principio, meio e sem fim. Não como era antes, agora era uma conversa normal. Não falamos do beijo, ou de qualquer coisa complicada, apenas falamos de coisas em geral.

Simples coisas, pessoas complicadas.

Encontro o olhar preocupado de Liam, mas sorrio ligeiramente. "Tenho de ir."

O seu olhar preocupado se transforma imediatamente num olhar triste assim como o meu. Mas ele abana a cabeça afirmativamente como que a concordar com a "minha" decisão.

O telemóvel ilumina-se mais uma vez e decido atender, não querendo que a minha mãe morra de um ataque cardíaco.

"Sim?" atendo receosa, esperando ouvir a voz do meu tio, em vez da minha mãe.

"Dorothy, oh meu deus." Ouço as minhas preces serem ouvidas quando a voz sussurrada do meu tio sai das colunas do meu novo telemóvel, juntamente com o seu suspiro de alívio. "Onde estás?" Ele continua a sussurrar, o que me faz um pouco de confusão. Liam continua à minha beira, com a sua mão em cima da minha apertando-a, não sei bem porquê.

"Eu saí um bocado para apanhar ar." Digo uma meia verdade. Não foi só isso que vim fazer, mas não estou a mentir.

"Anda já para casa." A voz dele continuava sussurrada e agora autoritária, mas ao mesmo tempo era mais como um pedido. Percebi que ele não queria me obrigar a nada, mas que estava preocupado comigo.

"Eu já vou. A minha mãe está aí?" Liam olha-me confuso. Talvez ele tenha pensado que estava a falar com a minha mãe.

"Não. Ela não sabe. Anda agora, por favor." Pede mais uma vez. "E entra por onde saíste."

Fico surpreendida com as suas palavras, mas não tenho tempo de responder, pois ele desliga logo quando acaba de falar.

Sento-me a olhar para o telemóvel ainda confusa, quando um aperto leve na minha mão me chama a atenção para Liam, de novo. "Era o meu tio. Tenho de ir, desculpa." Assim que digo isto a sua mão desata-se da minha, enquanto se levanta e eu sigo-o. O meu desapontamento é claro, mas ele não se apercebe disso, ou pelo menos não fala nada.

No entanto, ele surpreende-me quando caminha comigo pelo passeio estreito, obrigando-nos a ficarmos mais juntos. O seu braço direito bate no meu braço esquerdo enquanto andamos, mas não dizemos nada. Quero tanto entrelaçar os meus dedos nos dele, mas ele tem as suas mãos nos bolsos da frente, então removo a ideia da minha cabeça. Não lhe vou pedir, seria estúpido!

A minha cabeça está abaixada enquanto olho para o passeio de cimento, sujo de pequenos pacotes de sumo e pequenos papeis. Devem ser quase oito da noite e está muito escuro. Quero mais que tudo amarrar-me a ele por causa da escuridão das ruas, mas contenho-me. As coisas estão a ir muito rápidas, não posso estar tão agarrada em tão pouco tempo.

Quando chegamos à esquina da rua onde se encontra a casa do meu tio paro bruscamente, o que o faz parar também um pouco mais à frente confuso. "É melhor pararmos aqui. A minha mãe pode estar a ver." Observo a sua expressão que parece triste com o que eu disse. Não percebo porquê, eu só não quero que a minha mãe ou o meu tio impliquem comigo porque estava com um rapaz. Será que ele pensa que eu tenho vergonha dele? Eu não tenho vergonha, só não quero complicações. Já chega de complicações.

Porém, não digo nada enquanto ele me olha também sem dizer nada. Sinto as minhas bochechas ficarem vermelhas quando ele pega na minha mão de novo. Tudo o que eu queria.

Ele aproxima-se e dá-me um beijo na bochecha e as minhas bochechas estão ainda mais vermelhas. De repente, sinto-me tão envergonhada, nem sei...

"Já podes ir." Ele ri-se porque ainda continuo no mesmo sítio e eu rio-me com ele. A sua gargalhada é tão deliciosa.

Dou um beijo rápido na sua bochecha e vou em direção à minha casa, relembrando um dia não muito longínquo, onde eu fiz uma coisa semelhante e sorrio. Porque não interessa quantas vezes acontecer, sempre vou ficar envergonhada, sempre vou ficar com um sorriso estúpido na minha cara e sempre vou me lembrar da cara envergonhada e do sorriso estúpido que ele tem quando me afasto.

A janela do meu quarto está aberta, presumo que tenha sido o meu tio a abri-la para ser mais fácil eu entrar. Entro com cuidado para não me aleijar nem para fazer barulho e sou bem sucedida.

Ouço barulhos fora do meu quarto e automaticamente paro com medo. Não, não é possível. Os meus olhos estão completamente abertos.

Não é o meu pai, disso tenho a certeza. Respiro fundo. Engulo em seco.

Respiro fundo. Não é o meu pai.

Ouço a minha mãe a gritar. Oh não, oh não. As minhas pernas recusam-se a mover. Sinto todo o meu corpo congelar. Tudo outra vez não.

A minha boca está seca e os meus lábios partem-se quando ouço outro grito. Mas então percebo o tom do grito. Não é um tom de medo, mas outro tipo de grito. Ela está a falar, a dizer coisas que não consigo ouvir, mas não é medo.

A minha respiração começa a normalizar. Nunca tinha ouvido os gritos da minha mãe para além do medo. A porta do meu quarto é aberta e estremeço com a brusquidão do movimento. A minha mãe olha para mim e um alívio percorre o seu corpo e parece relaxar. Não sei o que dizer quando ela me abraça, apenas sei que fui apanhada. O tio Richards está na porta do meu quarto parecendo relaxado também.

"Estás bem?" A minha mãe pergunta preocupada depois de me largar um pouco. Ela está demasiado calma.

"Estou." Hesito, mas ela não parece reparar.

"O teu tio não me deixava ver-te. Ele disse que estavas bem, mas algo parecia errado. Estás mesmo bem?" Ela mexe na minha cara, passa as suas mãos pelo meu corpo para se certificar que está tudo no sítio. Ela não sabe.

Olho para o meu tio, mas ele apenas me sorri e desaparece do meu quarto. Porque é que ele guardou segredo?

"Mãe, estou bem." Assegurei.

A minha mãe sorri. "Eu sou mesmo tonta. Só queria ter a certeza." Ela vai a sair do meu quarto, quando olha para trás de novo. "O jantar está quase pronto, Doty."

O uso do meu diminutivo me desperta lágrimas nos olhos. O meu pai costumava me chamar assim. Ela percebe, mas eu sorrio para ela, um sorriso que não é completamente falso visto que sempre gostei desse nome. Pelo menos até aos seis anos, até tudo começar a cair por terra.

Ela sai do quarto e eu suspiro. Deito na minha cama a olhar para o teto branco. Que dia!

Tiro o meu telemóvel do meu bolso e sorrio quando vejo que tenho uma mensagem.

Obrigado.

Obrigada eu.

The White Bus |l.p|Onde histórias criam vida. Descubra agora