Cap 2: Imaginação

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Um ano depois.

  Mais uma vez a carruagem passou por uma pedra da estrada, fazendo Gulf bater as costas contra a madeira dura do assento levando-o a pensar que provavelmente estaria cheio de marcas no corpo quando chegasse ao castelo do primo. Ao suspender a pequenina cortina da janela, ele notou que o sol já se punha, e provavelmente não encontrariam uma hospedaria antes que a escuridão os obrigasse a parar.

  — Creio que não ultrapassaremos esses montes ainda hoje — comentou Léo, que espiava pela janela.

  — Era esse o plano? — Gulf soltou a cortina e virou-se para fitar o senhor que o acompanhava.

  — Foi o que ouvi nossos condutores comentarem hoje pela manhã. Eles pareciam não ver a hora de deixar estas montanhas para trás.

  — Disseram a razão?

  — Mencionaram algo a respeito de demônios e seres da noite.

  — Suponho que estes picos sempre nevoado despertem a imaginação das pessoas — Gulf sentiu-se curioso a respeito das lendas da região.

— No vilarejo em que paramos ontem, eles escutaram comentários a respeito de seres das trevas que infestam estas florestas, e sobre o Lorde que habita um castelo num dos picos das montanhas... Um Lorde mais forte que o mais forte dos homens e que nunca sai durante o dia. Os habitantes do Vilarejo contaram que esses seres possuem dentes afiados como os de um lobo, e que são capazes de enfeitiçar senhoritas virgens fazendo-as entregar a castidade. Contaram também que um deles foi capturado a pouco tempo, ao ser flagrado no leito com uma mulher do povoado e que 12 homens foram necessários para subjulgá-lo. Ah? Disseram ainda que seus ferimentos saravam em instantes...

   O tom irônico de Léo demonstrava que ele não acreditava em tais contos e os considerava fruto da Imaginação popular. Mesmo assim, Gulf estava contente que tal descrença não o impedisse de contar a história.

  — E eles o mataram, Léo?

  — Sim. Um padre determinou que fosse acorrentado num cadafalso e lhe deceparam a cabeça. O padre ainda disse que, mesmo morto, era necessário queimá-lo e reduzir seu corpo as cinzas, pois se tratava de um demônio, um ser das trevas.

  — Que crueldade! Talvez fosse inocente.

— Não creio que fosse um demônio, mas inocente não devia ser... e sem dúvida a conduta moral das mulheres do povoado não parece das mais apropriadas.

Gulf suspirou, preferindo calar, pois não queria discutir com o senhor que viajava com ele. Apesar de não fazer parte da família, Léo tinha preceitos morais severos e por isso Saint, seu irmão, o escolherá para acompanhá-lo na viagem, sabendo que não ouviria e não permitiria que fizesse nada que não fosse considerado apropriado. O clã dos Kanawut era conhecido pelas castas regras morais que defendia, mas Léo era ainda mais exagerado que Saint ao defender a moralidade e o comportamento virtuoso.

Gulf enchera-se de excitação quando o irmão consentiu que ele aceitasse o convite para visitar o primo, pois era a primeira vez que se ausentaria do Castelo onde vivia, o feudo de Dunsmuir. Seu primo Mild casará com um nobre que possuía amizade na corte, e essa visita significava a chance de conhecer cavalheiros e um estilo de vida sobre o qual até então ele somente ouvirá falar, com bailes, banquetes e casos de amor e casamento entre membros de clãs diferentes. Contudo, era de se esperar que seu irmão superprotetor fosse descobrir uma maneira de mantê-lo sobre controle, e Léo era a garantia de que ele não se entregaria aos prazeres que uma vida mais mundana podia oferecer.

   De qualquer forma, Gulf estava feliz ante a perspectiva de fazer novas amizades e conhecer um pouco do mundo fora dos muros do Castelo de Dunsmuir. Na verdade, ele sentia como se algo especial estivesse prestes a ocorrer em sua vida, e não conseguia se impedir de sonhar com cavaleiros fortes elegantes que o gotejassem. No entanto, sabia que esses eram os sonhos de qualquer homem e moça de sua idade e que os lotes da corte tinham maior interesse em cortejar homens mais vividos e exuberantes que ele. Era melhor parar de cultivar tais sonhos, se não poderia terminar voltando para casa desapontado.

   De súbito, a carruagem deu uma guinada para a direita, fazendo Gulf praguejar ao bater a testa na janela. Léo imediatamente mirou com olhar de reprovação.

  — Isso não são maneiras de um rapaz de família falar — disse o senhor.

  — Tem razão, Léo. Peço desculpas se o ofendi.

   — Não se trata de ter me ofendido ou não. Meu dever é lembrá-lo de como deve se comportar, pois os homens não se aproximam de senhoritas ou rapazes que não possuem bons modos.

  Duvido que algum homem se aproxime de mim com você ao meu lado, Léo querido, pensou Gulf.

   Seu irmão Saint dissera que havia chegado a hora de ele pensar em casamento; mas por que escolherá então justamente Léo para acompanhá-lo? Era como se quisesse evitar aquilo que afirmava querer.

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