Cap 12: Mortais

107 24 15
                                    

Sana se afastou, e Gulf resolveu passear entre as vielas dentro da propriedade murada dos Suppasits.

   Resolveu entrar no estábulo e deparou-se com a mesma eterna escuridão dos recintos fechados do Castelo. Os cavalos estavam bem cuidados e o feno com o qual se alimentavam era fresco é de boa qualidade. Mesmo assim, parecia cruel manter os animais mergulhados numa noite permanente. O estábulo era imenso e tinha muitas janelas todas fechadas. Gulf seguiu adiante, aprofundando-se cada vez mais na grande e escura construção de madeira, mas de repente teve a sensação de que alguém o seguia. Olhou em volta, e não viu ninguém. De súbito, uma voz sibilante soou:

  — O que faz aqui? — Disse Art, aparecendo repentinamente a seu lado. Ele carregava uma lamparina a óleo nas mãos, e a luz do fogo produzia sombras em sua face, dando-lhe uma aparência sinistra.

  — Não estou perturbando os animais — Gulf esforçou-se para não demonstrar medo.
— Não se faça de tolo, pois sabe o que quero dizer. Porque ainda não foi embora de Cambrum? Já devia ter partido há muito tempo.

   — Seu Lorde prefere que eu permaneça.

  — Sim, para ajudar em seu plano vil de destruir nosso clã.

  — Pelo que eu sei, o plano de lorde Mew Suppasit é salvar o clã não destruí-lo.

— Não necessitamos ser salvos. — Art aproximou-se ainda mais. — A ideia de que casar com um mortal vai nos salvar é absurda. Mew devia ser unir a quem é como ele. Ele devia renegar o pouco sangue mortal que lhe corre nas veias unir-se a um de nós, para garantir a pureza dos Suppasits... Um homem que o faça voltar as verdadeiras origens!

  — E esse homem é você, suponho — replicou Gulf em desafio. — Ele já o teria feito se assim desejasse.

  — Se você não estivesse por perto, ele já teria percebido que é loucura insistir em tal plano e teria se interessado por mim.

  — Lorde Mew deseja ter herdeiros, e a  uma grande chance de que você não lhe dê filhos.

— Porque precisaríamos de filhos? Crianças são seres sujos e impertinentes.

— O clã desaparecerá se não for capaz de gerar novos seres.

  — O que é que você sabe a respeito do passar do tempo e de nossas vidas? Ainda temos incontáveis anos pela frente antes de enfrentarmos o perigo de desaparecer! Mas anos do que você poderia supor em sua estúpida existência mortal. Mew tem medo de morrer; é essa herança infame que o sangue de sua mãe também mortal lhe passou, e ele não consegue admitir a ideia de que já estará reduzido a pó a sepultura enquanto nós, os verdadeiros Suppasits continuaremos habitando o castelo. Você nada sabe a nosso respeito não percebe que desaparecer não faz parte do nosso destino.

    Aos poucos, Gulf abandonará a ideia de que os Suppasits eram mortos vivos, mas as palavras de Art outra vez levantaram suas suspeitas. Porque aquele homem se referia a pessoas comum com tanto desprezo como se morrer fosse uma maldição? Fala assim para me atemorizar. Os Suppasits eram tão vivos quanto ele! Talvez tivessem uma natureza diferente, mas não eram cadávers ambulantes. Entretanto, as palavras evasivas de Sana quando ele perguntou a idade de Thorn lhe voltaram a mente, e suas incertezas retornaram.

   — Está dizendo que o Suppasits vivem muitos anos?

   Art soltou uma gargalhada sinistra e desagradável.

  — Vivemos mais do que você imagina, e somos superiores aos mortais de muitas maneiras!

  — Incluindo a vaidade, me parece.

  — Temos o direito à vaidade, pois não precisamos de gente como você! E não há nada que não possamos fazer melhor que os mortais.

  — Tem certeza? Porque não me acompanha para fora então, e se expõe a luz do sol?

  Gulf recuou quando Art saltou de repente em sua direção, mas em vez do ataque que esperava sofrer, sua visão foi bloqueada pela aparição de uma figura alta e vigorosa; e no instante seguinte Art voou para longe, como se atirado por uma força extrema, e caiu no chão.  Ele levantou praguejando e limpando a veste negra que usava.

  — Não pretendia matar este tolo, Thorn!

  — Mas poderia ter feito por estar zangado e descontrolado — ele colocou-se ao lado de Gulf.

  — Ainda estou zangado — afirmou Art, passando os dedos entre os cabelos negros para retirar gravetos de feno. — O plano de Mew é pura loucura, pois pretende reduzir a pó tudo aquilo que nos torna fortes e superiores. Como pode se aliar a ele?

  — Sou leal ao meu Lorde. Além disso creio que ele tem razão. Estamos morrendo, Art. Uma morte que ainda vai demorar muitos e muitos anos mas que certamente acontecerá. Já faz 40 anos que os sangue-puros não gera novos seres.

   Quarenta anos? Se o clã dos Suppasits não gera herdeiros há tanto tempo, então Thorn devia ter ao menos esta idade, apesar de parecer jovem. Melhor não pensar sobre isso agora, resolveu Gulf.

  — Você já está apto a ter filhos há muito tempo, e apesar da legião de amantes que teve, seu ventre jamais gerou uma criança — o tom de Thorn era de escárnio. — O pai de Mew não gerou mais que um filho em sua esposa mortal, e os London, nossos vassalos, sofrem do mesmo mal. Nosso clã está desaparecendo, Art. Os casamentos entre membros do mesmo sangue durante tantos anos nos enfraqueceram, e tudo que conseguimos perpetuar foram as tradições e costumes de nossos ancestrais. Nós nos transformamos numa família de mulheres estéreos e homens de semente fraca. Isso é a morte, Art, nossa morte. Ela pode demorar a chegar, mas se aproxima de modo inexorável.

  — Melhor morrer do que nos tornarmos fracos como os mortais! — Foram as palavras de Art antes de desaparecer de repente, como fumaça no ar.

Cavalheiro da Noite Onde histórias criam vida. Descubra agora