cap 24: Traços de um Clã

76 20 9
                                    

— Por qual razão ele teria agido assim?

— Espero que não fique desapontado ao saber desses fatos, Mew.

  — Não fiquei. Tive medo de você me revelar que ele tem sangue Suppasit na família. Felizmente não se trata disso. O que pretendo fazer é confrontá-lo com os fatos que agora sei e perguntar-lhe a respeito.

— Pelo visto não terá de esperar muito... Creio que ouço os passos suaves de seu marido se aproximando. Mas tome cuidado com suas garras! — Sorriu e piscou para o senhor de Cambrun.

  — Mew? — Chamou Gulf, antes de entrar na saleta trazendo pequenas amostras de tecido colorido que pretendia lhe mostrar. Ele se surpreendeu com presença de Thorn. — Estou interrompendo algo?

— De maneira alguma — disse Mew. — Ia mesmo mandar chamá-lo pois há algo a respeito de seu clã que quero lhe perguntar.

  — Meu irmão escreveu outra vez? — Ao perceber a expressão séria do marido, Gulf temeu que ele tivesse sido informado a respeito de sua família antes que ele lhe contasse. — Meu irmão se recusa a conceder o dote?

  — Nada disso. Porque não se senta? Quero lhe perguntar algo a respeito de seus ancestrais.

  Ele devia ter confiado em mim e revelado a verdade, pensou Mew, zangado, mas também condoído ao notar que Gulf empalidecia e adquiria um ar embaraçado. Calado, ele aceitou o convite para sentar e colocou os pequenos retalhos coloridos sobre o colo.

  — Talvez queira me contar sobre um ancestral Kanawut que participou das Cruzadas, ou uma antiga sacerdotista céltica que entrou na família?

  — Meu irmão enviou outra carta contando tudo?

  — Foi Thorn quem descobriu.  Um ancestral Suppasit outrora suspeitou haver outros sangue-puro com os quais havíamos perdido o contato, iniciou a busca que acabou por se tornar uma tradição entre nós. Há sempre alguém na família que segue com a pesquisa genealógica, e no momento é Thorn quem se encarrega disso. Ele viu o seu medalhão por acaso, ficou intrigado e acabou descobrindo o que você não me revelou. Eu lhe contei que pretendia eliminar certos traços do meu clã, mas você não me alertou para o fato de que ao contrairmos casamento, eu talvez pudesse adicionar outros traços à minha família.

— Não acreditei que fizesse diferença para seus planos, pois não pertenço a mesma linhagem sanguínea.

  — Então cometeu um grande erro! Não considerou o tipo de filhos que o cruzamento de nosso sangue poderia gerar?

  — Quem sabe geraremos filhos capazes de destroçar a garganta dos inimigos e em seguida lamber as mãos para se limpar? — Retrucou Gulf com aguda ironia.

  Thorn soltou uma gargalhada ao ouvir tal comentário, mas Gulf seguiu sustentando o olhar do marido sem se perturbar. Ele reconhecia o erro de não lhe a ver informado a respeito da natureza dos Kanawut, mas agora se zangava, pois Mew não podia recriminá-lo de manter segredos quando também ele deixará de contar a respeito da união de sangue.

  — Não vejo graça no que acaba de dizer. Agora seria bom que me contasse a respeito de sua família.

  Resolvendo que seria melhor esclarecer tudo de uma vez por todas, Gulf respirou fundo, tentando se acalmar antes de começar a falar.

  — A origem de nossa natureza felina é vaga, mas ao que parece uma ancestral da minha família gerou um filho numa mulher com características incomuns, centenas de anos atrás. Ele então a trouxe para Dunsmuir, onde se casarem e continuaram gerando filhos, que por sua vez geraram outros descendentes que conservavam os mesmos traços. Ela provinha dos povos celtas, a sua família tinha parentes que participaram das cruzadas. A lenda conta que esta mulher era capaz de se transformar numa pantera.

  — Acredita nisso?

  — Mesmo que fosse verdade, o fato é que seus descendentes jamais tiveram tal capacidade. Entretanto, nosso clã ganhou uma natureza diferente e também a nosso respeito se criaram rumores. Há mais de 100 anos foi decidido, por fim, que o clã tentaria extirpar esta natureza, então se criaram regras restritas para não permitir o casamento consanguíneo. Quando um Kanawut atingi a idade de se casar, deve memorizar uma lista de nomes de clãs com os quais a união é proibida o mesmo aconteceu comigo há pouco tempo e o nome dos Suppasits não fazia parte da lista. — finalizou em tom irônico.

  — Mas não conseguiram eliminar todos os traços não é? — Mew não fez caso da ironia do marido.

  — Alguns traços permanecem. Podemos nos movimentar com rapidez, temos unhas fortes e afiadas e uma visão que nos habilita a enxergar no escuro. Apesar das regras restritas que regem os casamentos de minha família há tantos anos, certas características permaneceram e é possível que jamais desapareçam. Pretende anular nosso matrimônio por isso?

  — Claro que não! Porque crê que eu pensaria em tal coisa?

— Porque está se comportando como se eu o houvesse traído de maneira horrível.

— Devia ter me contado a verdade! Não é correto guardar segredos para o marido.

  Gulf se ergueu num salto, espalhando pelo chão as amostras de tecido colorido que repousava em seu colo.

  — Não é justo apontar o dedo para mim desta maneira! Você também não me revelou todos os seus segredos! — E antes que Mew pudesse retrucar, virou-se e partiu.

  O silêncio invadiu a saleta quando Gulf os deixou e nem Mew e nem Thorn ousaram ir atrás dele para pedir que explicasse o que queria dizer. Depois de algum tempo, foi Mew quem finalmente retomou a conversa.

  — Não compreendo porque ele me acusa de guardar segredos.

  — Porque suspeito que de fato faz. Você lhe contou sobre a união de sangue?

  — Não contei, mas ele não sabe disso.

— Como pode ter certeza que não saiba? Mas a verdade é que você deveria se considerar feliz por ter encontrado um homem tão lindo e que aceita a você e a sua família pelo que são.

  Um pouco envergonhado, e surpreso diante de uma possibilidade não prevista, Mew desviou o olhar.

   Será que Gulf sabe da união de sangue?

— Tem razão — num impulso, ele se ergueu e recolheu os pequenos retalhos coloridos que Gulf trouxera para provavelmente pedir sua opinião, mas que a discussão e a repentina partida haviam espalhado pelo chão.

  — O que está fazendo? — Thorn observava com curiosidades as pequenas amostras de tecido.

  — Algo que meu marido ia me mostrar — Mew já começava a se sentir culpado pela rigidez com que o tratará.

— Por que não vai encontrá-lo e fazer as pazes? Afinal, também tem algo a lhe revelar e não há motivos para duvidar da lealdade de Gulf. Por vezes as pessoas não agem de maneira perfeita e cometem erros por falta de coragem ou ingenuidade; mas não significa que tenham más intenções.

  Agora triste com a discussão que provocará com o homem que amava, Mew guardou os retalhos no bolso e partiu sem mais nada a dizer em breve chegava ao quarto dos senhores do castelo, na esperança de encontrar ali seu marido.

Cavalheiro da Noite Onde histórias criam vida. Descubra agora