Cap 20: Ele saberá como agir

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Gulf escutava num misto de surpreso e horror, mas sem reconhecer dentro do si o mesmo medo que tomará conta de Sana. O envelhecimento desigual lhe soava como a questão principal, mas Mew lhe dissera que envelhecia em ritmo normal.

— Tem de ser no pescoço? Não é possível se alimentar com um pouco de sangue retirado de outra parte do corpo?

  — Creio que não. Ao atingir o clímax, o homem morde o pescoço de seu companheiro e se alimenta de seu sangue, no exato momento em que libera o sêmen vital dentro dele.

  — Todas as vezes? — Gulf agora parecia assustado.

   — Uma vez apenas.  — Sana finalmente perdeu um pouco da seriedade e esboçou um sorriso ante o espanto de Gulf. — A união de sangue acontece na noite nupcial: o homem dá algo de si ao seu companheiro ao liberar o sêmen dentro dele, enquanto prova de seu sangue em retorno; e a troca de fluídos vitais os uni  para sempre.

  — Apesar de preferirem comer carne crua, eu acreditava que os  Suppasits jamais se alimentavam de sangue, Sana.

— Eles o fazem em bem raras ocasiões. Há muitos anos eram descontrolados, e nem sempre se alimentavam só do sangue dos animais da floresta. Hoje em dia, saem em excursões noturnas no ciclo da lua cheia, e nada demais acontece. A lenda persiste, contudo, posso imaginar que eram de fato uma visão terrível, com suas compridas capas escuras cavalgando cavalos negros nas noites de luar. É por isso que ficaram conhecidos como Os Cavalheiros da Noite. Aos poucos, porém, os homens dos vilarejos venceram o medo iniciaram caçadas para exterminá-los quando descobriram que podiam matar um cavaleiro da noite queimando-o, por exemplo ou decepando sua cabeça. A situação está estabilizada hoje em dia: os sangue puros respeitam os povoados e levam uma vida quase reclusa no castelo. Nas noites de lua cheia, ainda sai em jornadas pela floresta, mas não se aproximam dos vilarejos.

— Ainda sentem sede de sangue?

— Eu diria que não. Os Suppasits se alimentam de carne quase crua, o que basta para satisfazê-los. É possível que beba um pouco de sangue de outro membro do clã, mas só fazem se o impulso se torna forte demais ou quando se machucam de forma fatal. Oferecer um pouco de sangue a outro membro do clã é a maneira de garantir que se curem de uma enfermidade ou machucado fatal. De qualquer forma, já não atacam outras pessoas, a não ser em casos muito raros. Como o que se passou com os ladrões que perseguiam o senhor. É preciso levar em conta que a justiça normal mataria Tais ladrões caso os capturasse, pois eles assassinaram todos os integrantes de sua escolta. Nesse caso os Suppasits usaram o instinto sangue puro como se fosse uma arma, da mesma maneira que a justiça usaria a força se apanhasse os facínoras.

— Creio que se pode pensar assim. — Gulf, porém, mostrava-se um tanto relutante. — Quanto a comer carne quase crua, eu já havia notado que o faziam. Na verdade, qualquer pessoa se alimenta da mesma substância, embora com a carne mais bem assada ou cozida.

— Mas a mordida o incomoda, não é?

— Um pouco. Não é fácil oferecer uma parte tão vulnerável do seu corpo, mesmo  que seja para o homem a quem escolhemos como marido. Contudo, o casamento é uma escolha mútua, e isso me faz confiar em mew e crer que não me machucaria.

— Sei que não é uma decisão fácil.

— Se ao menos eu tivesse certeza de que ele me ama como eu o amo... — Gulf ergueu-se da cadeira num impulso.

— Não tenho dúvida de que lorde Mew deseja consumar a união com o senhor e torná-lo seu companheiro eterno. — Sana levantou-se também.

  — Bem, ele não fez na noite nupcial. Talvez agora não surja mais efeito.

— Claro que se surtirá efeito! — Sana o tomou pelo braço e conduziu-o para a porta. — Consumir a união de sangue na noite de casamento é uma tradição, mas não é obrigatório que se passa dessa forma.

  Jean esperava no lado de fora, e os recebeu com um sorriso. A tarde seguia avançada, e depois de presentear a simpática senhora com uma moeda de prata Gulf sugeriu que voltassem para o castelo. O dia continuava agradável, mas, imerso em pensamentos, ele já não cantarolava como fazia ao descerem para o povoado. Sana respeitava seu silêncio e caminhava calado a seu lado.

  Quando se aproximavam da entrada do castelo, Gulf já se recuperará do choque inicial das revelações.

  — Ainda tenho uma pergunta, Sana.

— Sim, meu senhor. Já lhe contei o que sei a respeito dos Suppasits, mas é possível que ainda possa ajudá-lo.

  — Quando disse que ele se alimentará com o meu sangue, trata-se de algumas gotas apenas, não é?

  — Thonr me explicou que beberia um pouco de meu sangue, mas um Suppasit pode ter medidas diferentes das nossas. De qualquer maneira, ele assegurou que eu jamais correria risco de vida; Na pior das hipóteses, eu sentiria alguma fraqueza por um ou dois dias. Não foi o medo de morrer que me fez recusar a união de sangue com Thonr, pois sempre acreditei que ele jamais me faria mal algum.

  — Mas... e se eu estivesse grávido? Acha que poderia trazer algum dano ao meu filho?

  — O senhor crê estar grávido? Tão rapidamente?

  Apesar da surpresa, a expressão de Sana não escondia a felicidade por tal notícia, e Gulf pensou que pelo visto não era só Mew quem desejava que as crianças retornassem a Cambrun.

  — Meu ciclo sempre foi regular, mas agora está atrasado.

  — Isso pode ocorrer por vários motivos... A mudança de áres e de comida, o fato de ser recém-casado experimentar intimidades que desconhecia. Sem contar a preocupação em assimilar as peculiaridades da natureza dos Suppasits. São fatos que podem transtornar seu ciclo — Sana desviou o olhar, como se falasse para convencer a si mesmo, tentando diminuir as próprias expectativas e conter a alegria pela possível chegada de novos seres a Cambrun.

— Não creio, Sana. Os descendentes Calam são muito regulares e conhecidos pela grande fertilidade. Nunca quis me alongar nesse assunto com o Mew, pois passei algum tempo acreditando que ele se casaria comigo somente por me ver como um útero capaz de gerar herdeiros para o Clã.

  — Mas agora o senhor sabe que ele o deseja mais do que isso, não sabe?

— Acredito que sim. O que necessito saber é se a união de sangue e a mordida que implica não trarão consequências para um provável ser que eu esteja gerando.

  — Terá que contar para a lorde Mew; só ele poderá dizer se há perigo ou não. Não se preocupe, nosso senhor saberá como agir!

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