O som dos uivos fez Gulf ir à janela para averiguar o que acontecia lá fora. O ciclo da lua cheia não terminará, e o luar prateado iluminava as rochas ao redor do castelo. Ele ouvirá uivos na noite passada, mas não verificará de onde provinham; e o que via agora era estranho: silhuetas escuras movendo-se com agilidade e rapidez entre as rochas e desaparecendo rumo à floresta. Eram seres humanos, mas outra vez pareciam não tocar o solo, como se deslizassem pelo ar.
Amedrontado ele se afastou da janela. Preferia não ter visto o que viu. Estão indo caçar, disse para si mesmo. Era comum organizarem caçadas nas florestas... Mas em geral as caçadas aconteciam durante o dia. Bem, talvez seja melhor caçar certas animais à noite, refletiu, tentando convencer a si próprio.
Nervoso, Gulf começou a caminhar pelo quarto. Até reconhecer o que já não podia negar: ninguém organizava caçadas noturnas, muito menos saíam em bandos que uivavam como lobos. Além disso, aquelas pessoas não caminhavam e sim flutuavam sobre o solo. Sem mais poder inventar explicações para negar o que via, chegará a hora de enfrentar a verdade. Ele já se encontrava naquele lugar fazia três dias, e presenciará fatos inegáveis: os Suppasits não gostavam do sol e mantinha o castelo imerso numa noite perpétua. Mew estava sempre presente a todas as refeições, mas sua comida era diferente, e consistia em carnes quase cruas e sangrentas. Os membros do clã tinham olhos claros como os de lobos, e mantinham o corpo todo coberto quando saíam do Castelo durante o dia.
As imagens de seu salvamento lhe retornaram à mente. O aroma de sangue no ar e o olhar aterrorizado dos ladrões eram lembranças vividas. Sem querer, ele tornou a recordar o que Léo lhe contará a respeito do ser capturado no vilarejo, um demônio de força sobre humana com dentes afiados e cujos ferimentos saravam com rapidez. Agora tudo se encaixava por que aquele homem certamente era um Suppasit.
E o lorde do clã pretende me tornar seu marido, pensou com um arrepio. Um casamento que não tinha aprovação dos outros membros do clã. Mew passará os últimos dois dias cortejando-o como um fino cavalheiro, e o resultado é que ele começava a se render a seus encantos. Mew era atraente, mas perigoso.
De repente, Gulf tomou uma resolução: tinha de fugir. Sem pensar duas vezes, correu a juntar algumas roupas e as enrolou num tecido, improvisando um pequeno saco fácil de transportar. Em silêncio, abriu a porta do quarto, esquerou-se pelo corredor iluminado por velas e desceu escada abaixo. Os salões estavam desertos. Em breve ele saia do castelo, notando, com alívio, que as pesadas grades de ferro do portão da entrada estavam erguidas. Contudo, antes que pudesse cruzar o arco de pedra, uma forma escura apareceu a sua frente como se viesse de cima e lhe barrou o caminho.
— Boa noite,cCavalheiro — disse uma voz grave. — Creio que não se lembra de mim. Sou Sky e ajudei a salvá-lo dos ladrões.
— Compreendo, senhor. Agora, se me permite, gostaria de partir.
— Não é aconselhável sair do castelo. A floresta é perigosa, sobretudo em noite de lua cheia. Além disso, meu lorde deseja que permaneça aqui.
— Não me importa o que ele deseja, pois não é o meu lorde nem senhor. Vou encontrar meu primo, e ninguém tem o direito de me impedir.
De súbito, Gulf sentiu que o tocavam no ombro, e levou um susto. Numa reação cega e automática, ele se virou e travou as unhas no rosto do homem as suas costas, arrancando pedaços de pele e carne. No instante seguinte ele percebeu que se tratava de Thorn, mas o mal já estava feito; estranhamente, ele não parecia exibir dor e sim surpresa. Muito embaraçado e balbuciando desculpas, Gulf apanhou um lenço de linho na intenção de limpar o sangue, mas quando tornou a fita-lo, Thorn cobria os arranhões com a mão e o olhava sem exibir dor alguma. Quando retirou a mão, os ferimentos já haviam quase desaparecido, e não havia sangue em sua face, apenas em suas mãos.
— Os cortes estão fechando! — Gulf mal acreditava no que via.
— Foram superficiais — Thorn lambeu o próprio sangue, que ainda manchava seus dedos. — Tem unhas afiadas, Gulf.
Sem saber o que dizer, ele cerrou os olhos e respirou o fundo, tentando se acalmar.
— Arranhar alguém com tanta ferocidade é estranho — comentou Sky, que presenciará a cena.
— Eu me assustei quando me tocaram o ombro — no fundo, Gulf sabia que Sky tinha razão: sua reação fora mesmo estranha. — Peço desculpas, mas devo partir e continuo tentando avançar em direção ao arco de pedra.
Entretanto, Sky mais uma vez lhe barrou o caminho, e também Thorn deu um passo adiante, colocando-se entre ele e a saída do Castelo.
— Mesmo que pudéssemos deixá-lo ir embora, jamais permitiríamos que o fizesse a noite e sozinho.

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Cavalheiro da Noite
Hayran KurguPrólogo Dois homens unidos por Laços de Sangue e por uma maldição que assombra seu clã, estão condenados a uma vida sombria e submetidos a desejos estranhos e incontroláveis. Somente o casamento com homens que não compartilham a natureza desses...