Cap 16: Feras

109 25 21
                                    

Dois homens rolavam pelo chão, e Gulf observou como cravavam os dentes pontiagudos e afiados no pescoço um do outro, fazendo o sangue jorrar. Eles soltavam sons horríveis, mas a fúria com que se atacavam não os liquidava. Apesar de terem as faces horrivelmente transfiguradas ele sabia que se tratava de Mew e San.

  — Não se preocupe com o nosso Lorde — disse Sana, engatinhando para se aproximar de Gulf. — Ele sabe cuidar de si.

— Estas lutas acontecem com frequência?

  — Bem, eles brigam de vez em quando. Os homens apreciam desafiar uns aos outros e testar a própria força, não é? Os cavaleiros vivem para lutar. Daqui a pouco se acalma e tudo terminará.

— Toda essa confusão é por minha causa... Não estou ajudando a salvar o Clã, mas sim a destruí-lo.

   — Não é verdade: é a mudança que os faz combater assim. Sempre há os que lutam para manter a situação como está. Mas em breve tudo passará, e aceitarão que mudança é necessária e inevitável. É natural que lutam assim.

   Esse tipo de luta não é natural, pensou Gulf, mas ele sabia o que Sana queria dizer.

  — Veja, o padre os está fazendo parar — observou a mulher.

   De fato, James rompia entre os adversários, mas também ele empurrava as feras bestiais com violência e gritava para que parassem. Era estranho ver um religioso ostentar a mesma força e velocidade que os demais, Mas de repente tudo terminou da mesma maneira abrupta como começará.

   Subitamente San, Art e seu grupo desapareceram, e os aliados de Mew e Thorn abaixaram a cabeça, quietos e embaraçados, quando James passou a repreendê-los por seu comportamento. Sem querer, Gulf se lembrou dos ladrões que o perseguiam pela montanha e do olhar aterrorizado que exibiram ao serem atacados. Agora compreendia a razão desses sentirem tamanho terror, e por que o aroma de sangue infestará o ar em segundos.

   Enquanto o Padre James ralhava, Mew, inquieto procurava com o olhar o esposo. Apesar de seus traços terem voltado ao normal, agora Gulf sabia com quem casará e do que seu marido era capaz. E teria de conviver com tal fato.

  — Que bela demonstração fizeram para o noivo! — A ironia do Padre James embaraçou Thorn e Mew.

  — San colocou as mãos nele! Você sabe que ele poderia tê-lo matado apertando-lhe a garganta, se quisesse.

  — Eu sei, Mew. Mas tinha esperança de que seu marido descobrisse aos poucos quem somos, e não desta forma abrupta.

   — Gulf Já adivinhou quem somos — disse Thorn.

  — Há um enorme diferença entre adivinhar e ter a verdade estampada diante dos olhos — James sentenciou.  — — Onde ele está?

— Acalme-se, Mew. Está escondido debaixo da mesa, com os London — respondeu o padre.

  Mew caminhou para mesa e se inclinou para procurar Gulf. Encontrou-o pálido, o terror ainda estampado em sua face. O mal estava feito: agora Gulf sabia exatamente quem ele era, e só lhe restava a esperança de que o marido o aceitasse assim mesmo.

   — Pode sair — convidou o Mew, estendendo a mão. — Não há perigo.

  — Seus cavalheiros destroçaram as gargantas um dos outros — murmurou Gulf, ainda paralisado pelo medo, mas notando que seu marido seguia ileso e tão lindo como sempre.

   — Não há mortos, querido, pode olhar em volta. — Ele sabia que seria inútil inventar explicações, pois Gulf era inteligente demais para se deixar enganar. Além disso não era aconselhável iniciar o casamento mentindo. — Venha — insistiu ele, aproximando mais a mão.

   Uma parte de Gulf lhe dizia para fugir correndo daquele castelo e voltar para junto dos seus, mas seu coração o fazia querer permanecer ao lado do Lorde de Cambrun, que se tornará seu marido. Sem conseguir decidir entre uma coisa e outra, ele afinal aceitou a mão de Mew e saiu de debaixo da mesa. Ao colocar-se em pé, abraçou-o num impulso e recostou a cabeça em seu peito forte, como se pedisse proteção.

   Sem dizer nada, Mew também o abraçou e começou a afagar seus cabelos com suavidade. Quando finalmente se sentiu mais calmo, Gulf ergueu o rosto e fitou o salão, agora silencioso, apesar de Thorn, James e os outros cavalheiros se movimentarem tentando arrumar a desordem causada pela luta.

  — Não era a celebração de casamento que eu tinha em mente — comentou ele a notar que os London emergiam debaixo da mesa e começavam a erguer as cadeiras jogadas no chão e a recolher taças e cacos de jarros de vinho.

  — Não se preocupe, meu caro, daremos um jeito nessa sujeira. — Sana tentou sorrir ao se aproximar. — Porque os senhores não sobem para seus aposentos? Afinal, os votos de núpcias foram consumados e o brinde aos noivos foi erguido como manda a tradição. Num instante lhes traremos comida e bebida para celebrarem juntos.

   Mew assentiu com a cabeça e tomou Gulf pelo braço, conduzindo-o em direção a escadaria que levava as partes superiores do Castelo.

   Entretanto Thorn se aproximou e se colocou à frente deles.

  — Ainda não beijei o noivo... — Ele não conseguiu esconder o desconforto, afinal o clima festivo do casamento se extinguirá.

   Condoído, Gulf fitou o primo de Mew e então lhe tomou as mãos com gentileza, desanuviando ao menos parte do seu desconforto.

   Thorn inclinou a cabeça para beijá-lo na face, e ao tornar a erguer o rosto, ele exibia um sorriso.

  — É o suficiente — disse Mew quando o primo fez menção de abraçar Gulf e cumprimentá-lo de maneira mais efusiva.

  Entretanto, encorajados pela iniciativa de Thorn, outros cavalheiros também quiseram beijar a face do noivo, como mandava o costume. Quando todos haviam cumprimentado Gulf, Mew o conduziu para o grande aposento que se tornava agora o quarto do Senhor e da Senhora de Cambrun. Duas poltronas enormes como tronos haviam sido colocadas defronte a lareira. Os dois sentaram-se lado a lado.

Cavalheiro da Noite Onde histórias criam vida. Descubra agora