As noites de lua cheia têm um significado bem único para os irmãos Léo e Lena: invadir o cemitério e roubar dos mortos que recentemente reviraram a terra. Correr do coveiro e vender as joias adquiridas tornou-se parte da rotina dos órfãos, que lutam...
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As conversas curtas que tiveram tornaram o caminho muito mais agradável. José Romeo contava histórias de seu falecido pai, um homem honrado. Lena não conversou muito; só disse que seu irmão a encontraria por lá, sem entrar em muitos detalhes. Estava com vergonha de agir feito boba na frente de José. Ela reparava bem no rosto machucado, porém, delicado dele. Este poderia ser muito bem um dos primeiros sinais de que ela realmente estava crescendo, virando adolescente.
No topo da escadaria, depararam-se com os portões maciços do cemitério abertos. Tudo parecia estar funcionando normalmente. Havia até uma floricultora vendendo vasos de saudadina de diversas cores. Mais normal, impossível.
Dando o primeiro passo, isento dos segredos que se passavam naquele local, Marini foi até a pequena bancada de flores e perguntou à moça se ela havia visto um rapaz baixinho, magro, de cabelo castanho-claro e pele da cor de paçoca. Ela, apavorada, negou com a cabeça.
— Tem certeza, Leninha? — perguntou o marinheiro à distância.
— Na verdade... Tenho não...
— Calma que a gente ainda vai achar ele! Talvez se a gente procurar lá dentro-
— Lá dentro?! — interrompeu nervosa.
— Qual o problema agora?!
— Nada, nada... Deixa pra lá... Vamo entrando então?
Aproveitando a deixa da miúda, Marini adentrou o largo vestíbulo, chamando por ela, quem o seguiu com cautela. O repórter ficara para trás. Ele acenou e assobiou para os dois como uma despedida sensata. Parou para comprar flores para seu pai.
— Então, por onde começamos? — Marini deu a iniciativa.
— Ótima pergunta... Tudo bem se fores na frente?
— Não tem problema. É só que eu não conheço este lugar direito... Só venho aqui duas vezes ao ano... Direto para a capela, ainda por cima...
— Eu te guio então, Mari! Po'deixar comigo! — ela tentou parecer entusiasmada, mas acabou soando forçada.
Com as instruções desgovernadas da moleca, a dupla contornava os túmulos em ziguezagues sem sentido. Lena sabia que o único lugar que seu irmão poderia estar era no assustador porão da cabana do coveiro, lá no fundo do labirinto de sepulturas. Estava enrolando, com medo.
Não havia como culpá-la por isso, é claro. O ambiente era desencorajador por si só. Todas as árvores dentro daquelas paredes eram tortas e retorcidas, como se não vissem o carinho do sol ou a carícia da chuva há décadas. A grama era seca e pigmentada num tom sem graça de bege. O santuário parecia estar preso em um eterno e rigoroso outono.
Muitas lendas rodeavam o local, como a do barão enterrado vivo e a do menino que brincava de esconde-esconde com as crianças durante os velórios. A mais famosa, no entanto, era a da bruxa cujo nome fora esquecido pelo tempo. Ela teria sido, supostamente, enforcada nessas terras malditas. Em suas últimas palavras, jurou amaldiçoar onde seu cadáver tocasse. Dizem que, desde então, nada desabrochou nesse solo adulterado. Apesar das histórias, tudo não se passava de lendas que avós contavam para seus netos desobedientes. Havia, sim, várias sepulturas de criminosos sem os devidos nomes, mas ninguém poderia provar, de fato, que a feiticeira, tampouco qualquer outro fora-da-lei, estariam enterrados ali. Lena não sabia destes boatos — nem gostaria de saber.