Segurando firmemente o colar de sua mãe, Lena conjurou o contrafeitiço e removeu a maldição de Zacarias. Seu corpo lentamente voltara ao normal. Seu braço engessado já não doía mais. Tudo graças a uma bela chantagem.
Por mais que ele já houvesse aceitado a própria morte, não foi desta vez que ela o acolheu em seu frígido abraço. Apesar de ainda estar de luto pela sua amada, Léo e Lena o ensinaram novamente o significado de companheirismo. Ele não precisava mais viver só. Seus incontáveis anos de solidão acabaram.
Ax'thra encarava seu rosto completamente deformado através dos estilhaços do espelho esparramados pelo chão. Arruinada e vazia, à beira de um surto, disse que queria ficar sozinha. Agachada, as raízes de mangue envolveram seu corpo, formando uma espécie de casulo. Sua angústia era tão forte e descontrolada, que toda aquela estrutura viva, seu lar, começou a desmoronar, expulsando os visitantes de seu enigmático covil.
O tempo fechado passou. Com as nuvens brancas e fofinhas passeando pelo céu azul, ainda não acreditavam no que haviam feito. Venceram a mãe do manguezal, a dona do caos que encobria toda Guaiatuba. Eles — os "ninguéns" — eram a salvação daquele povo mesquinho e mal-intencionado.
Apesar da vitória, Léo continuava em estado crítico. Caminhava apoiado nos ombros de Lena, mancando. Mesmo assim, admirava o horizonte com esperança, algo que não sentia há muito tempo. Ninguém olhava para trás; não tinham porquê.
Mas, conforme o ladrão dava seus passos bambos pela lama, seus olhos foram se fechando. Quase derrubou sua irmã consigo.
— LÉO! — gritou ela.
O fáter o apanhou antes que caísse. Colocou a mão em seu peito e sentiu seu coração batendo:
— A adrenalina deve ter baixado...
Zacarias viu as bagagens do grupo esquecidas pelo caminho mais à frente. Foi até as coisas de José Romeo e voltou nem um minuto depois, com algodões, rolos de ataduras, água e sabão.
Enquanto fazia a limpeza dos ferimentos de Léo, o velho aclamou o feito dos dois, mesmo um estando inconsciente:
— Vocês dois se saíram muito bem. Estou muito orgulhoso! E pensar que se não fosse por você, Lena, Léo e eu teríamos morrido... Me desculpe pela grosseria àquela hora. Muito, muito obrigado!
— Mas foi o senhor quem salvou a gente, Seu Zeca! — agradeceu. — Se não fosse pelo senhor, a gente teria virado purê! — Sorriu. — O Léo gosta muito de ti, sabe? E ele me ensinou que a gente não deixa quem a gente gosta na mão!
O coveiro deu um riso bobo com todos os dentes, daqueles que não desgrudam da cara. Começou, então, a vestir os machucados do rapaz com as ataduras.
Era uma cena estranha. O homem que Lena tanto temia cuidando de seu irmão com muito zelo bem na sua frente. Lembrou-se dos tempos em que roubavam túmulos e tocavam o terror no cemitério.
— Seu Zeca... — chamou ela. — Posso te fazer uma pergunta?
— Fique à vontade, pequena.
— Por que o senhor nunca dedurou a gente pra polícia? Tinha dias que a gente até fugia sem tapar os buracos!
— Vocês perderam a mãe ainda muito novos... Foi assim comigo também... — Fez uma pausa, terminando de enrolar as bandagens no garoto. — Me diga, Lena, o que eu ganharia com Léo preso e você em um orfanato? Vocês: dois órfãos que roubavam túmulos para sobreviver.
— Não sei... Um pouquinho de paz, talvez?
— Não se há paz com a miséria dos injustiçados. Pensei que deixando vocês livres, pelo menos teriam uma vida mais digna...
"Uma vida mais digna", refletiu. Ela olhou bem para seu irmão desacordado. Ele batalhou tanto para que ela pudesse ter uma vida digna. Desta vez, foi ela que o cutucou na ponta do nariz. Em seguida, colocou o medalhão em volta do pescoço dele, para que sua mãe pudesse dá-lo forças.
Assim que o velho se certificou de que as ataduras estavam secas e de que não havia mais sangramento, pegou o jovem em seus braços:
— Vamos, pequena. Temos de nos apressar. Há mais pessoas que precisam de nossa ajuda.
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AUTORIA DESCONHECIDA. GIF: giphy.com. Disponível em: https://i.pinimg.com/originals/9b/82/8d/9b828d24dc90491eb8b33a2077ef70e1.gif. Acesso em: 21 jul. 2024.
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Ladrões de Túmulos
FantasíaAs noites de lua cheia têm um significado bem único para os irmãos Léo e Lena: invadir o cemitério e roubar dos mortos que recentemente reviraram a terra. Correr do coveiro e vender as joias adquiridas tornou-se parte da rotina dos órfãos, que lutam...