Duas semanas haviam se passado desde então. Lena não ficou parada: continuou firmemente com as entregas. Ela estava mudando, crescendo, importando-se mais com a aparência e em causar boas impressões — até começou a tomar banho todos os dias. Léo, por outro lado, ainda tentava recuperar o colar de sua mãe. Começou a caminhar escondido pelas largas ruas do Vila Próspera, decorando os trajetos e as possíveis futuras vítimas do Pesadelo.
A movimentação das carroças pelo bairro, no entanto, era constante. Com o assassino à solta, a maioria das famílias nobres estava de mudança para Argilosa. Aquelas que restaram — muito corajosas — possuíam inúmeros guardas a seu dispor.
Como se isso não bastasse, Guaiatuba estava envolvida em problemas ainda maiores: a tal "coceira" estava, de fato, se espalhando. A nova e misteriosa micose, transmissível pelo ar e por contato direto, era preocupante. O tecido dermatológico de grande parte dos enfermos trancafiados no hospital se enrijecera, como uma casca grossa e cinzenta. Suas juntas perderam a flexibilidade. Não conseguiam mais andar nem sequer aliviar a coceira que lhes consumia a carne. Nos casos mais agravantes, o fungo se espalhara internamente, tomando acesso pela boca, atacando a garganta, a tireoide e os sistemas respiratório e nervoso. Quando isso acontece, o enfermo torna-se demente, não conseguindo falar normalmente. Seus olhos ficam tão saltados que parecem querer pular para fora de suas órbitas.
Com a falta de conhecimentos prévios da doença, pouco se sabia sobre os estágios mais avançados. Foram treze novos casos confirmados na última semana, porém, nenhum óbito até então. Os números não eram altos, mas a paranoia que traziam consigo contrariava qualquer nível de razão. A cruel infecção foi chamada de ucidíase.
Os médicos avisaram para que os civis mantivessem distância do hospital municipal. A prefeitura e sua administração indecisa, por outro lado, não chegaram a tomar quaisquer medidas provisórias. Os guaiatubanos que tinham nada a perder, como catadores de caranguejo, mudaram-se para o interior. Os vários jovens desapegados, com trabalhos mundanos, pediram suas contas e partiram para a cidade grande. Nessas terras salgadas, sobraram apenas os loucos, os apaixonados e aqueles com empregos estáveis. Apesar do alvoroço, nenhum dos ladrões sentia a preocupante e malfalada irritação na pele.
Graças ao próprio Pesadelo, a investigação de Léo ficara mais fácil. Quando, enfim, a temida lua cheia chegou, o larápio se prontificou de ficar de tocaia no vazio bairro abastado todas as sete noites. Era um silêncio macabro, pior que o do cemitério. Os guardas que avistava estavam armados até os dentes.
Nos sete dias, testemunhara a nada; nenhum grito, nenhuma correria, nenhuma notícia ou fofoca no dia seguinte. Alguns veriam essa situação como um momento de alívio, de paz, mas Léo a enxergava como um fracasso desesperador.
Com a mudança da fase lunar, o moleque teve sua esperança convertida em dúvida. Estava ficando sem ideias. Não encontrava mais nenhum vestígio. O Pesadelo dos Nobres parecia ter sumido da face de Nov'era.
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Ladrões de Túmulos
FantasyAs noites de lua cheia têm um significado bem único para os irmãos Léo e Lena: invadir o cemitério e roubar dos mortos que recentemente reviraram a terra. Correr do coveiro e vender as joias adquiridas tornou-se parte da rotina dos órfãos, que lutam...