Capítulo 33: Sono Perdido

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— Ei, psiu! Zacaria'! Acorda, meu amigo!

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— Ei, psiu! Zacaria'! Acorda, meu amigo!

— Jericob? — perguntou o fáter, sonolento. — O que foi?

— Elas 'tão vindo.

— Elas quem, homem?!

— As crias-do-mangue, ora! — exclamou. — Acorda todo mundo. A coisa tá pra ficar feia!

Enquanto o sacerdote interrompia o sono merecido de seus companheiros, o velho cavaleiro, com um sorriso largo e um brilho louco nos olhos, foi até seu armário e retirou das gavetas uma espada de aço cintilante. Seu ânimo era tão grande que saiu correndo para fora, pulou da varanda e caiu de pé.

A confusão e a moleza prevaleciam sobre o restante. O sol nem sequer havia nascido. Da sacada, ao longe, conseguiam ver as árvores de mangue balançando violentamente. Uma ferocidade descontrolada ia de encontro a eles. O anfitrião, aos pés da casa, cobrava ajuda do grupo:

— 'Ocês não vêm?!

Alguns estavam aflitos. Outros, deixaram a adrenalina falar mais alto. Léo se encontrava no meio-termo. Pulou do balcão e aterrissou com uma cambalhota. Pegou sua faca, com a mão trêmula. Sempre foi corajoso, mas, desta vez, as coisas pareciam diferentes.

Marini foi descendo as escadas empunhando seu bidente. José Romeo ficou lá em cima, garantindo visão com Lena ao seu lado, quem já estava com seu estilingue preparado. Zacarias descia com dificuldade; tropeçou no último degrau e caiu de costas no chão. O ladrão baixou sua arma e correu para ajudá-lo, desconsiderando o perigo.

— Está chegando! — anunciou o repórter.

Jericob e o marinheiro ficaram atentos em seus postos. Léo deu uma mão para o fáter se levantar e tentou escondê-lo atrás das estacas de madeira que sustentavam a cabana. Entretanto, antes que conseguisse, o inimigo deu as caras.

Primeiro, houve uma rajada de raízes e terra para todos os lados. Depois, somente quando a poeira baixou, conseguiram ver bem a famigerada criatura. Era bípede, com pernas de gente. Tinha a pele rígida e cinzenta, os olhos saltados, completamente negros, e mandíbula muito bem desenvolvida, como a de uma formiga guerreira. Espumava pela boca, salivando ao ver todos aqueles deliciosos desafortunados em seu caminho. Seu principal aspecto era suas enormes garras de caranguejo. Aquilo as abria e fechava, ameaçando fatiar todos a sua frente. E para piorar, não estava sozinha. Outras duas crias, igualmente aterrorizantes, a seguiram pelo caminho de onde veio.

O anfitrião foi o primeiro a atacar. Mirou no braço de uma — a qual já estava sem uma das pernas —, e o decepou. Marini seguiu a deixa e conseguiu apreender outra pelo pescoço, não a deixando alcançá-lo.

— O senhor tá bem, Seu Zacarias? — perguntou o larápio, limpando-lhe a terra das costas.

Antes que conseguisse processar a questão, o fáter viu um tiro certeiro no olho da criatura que o homem-peixe restringia. Lena estava com a pontaria boa.

Urrando de dor, a coisa espumou ainda mais pela boca e cuspiu uma substância espumosa e pegajosa na direção do marujo, quem quase largou seu bidente para escapar do ataque.

A fera ainda ilesa foi se aproximando cada vez mais de Jericob. Este estava prestes a terminar o serviço com a que arrancara o braço, até que fora atacado pelas costas.

Abaixou-se, rindo, como se estivesse cativado em uma dança. Tudo o que a cria traiçoeira conseguiu fazer foi acertar seu comparsa ferido no pescoço, quase o decapitando.

O velho, então, levantou-se com a espada apontada para a garganta da aberração sobrevivente. O impacto foi tão forte que o bicho desabou sem vida, esguichando um sangue barrento e escuro sobre o senhorzinho todo animado.

— Seu Zacarias?! — perguntou Léo novamente, com mais preocupação.

— E-eu estou bem sim, garoto. Não se preocupe.

O coveiro ajeitou sua túnica e foi mancando até a criatura caolha. Tentou socorrer o marinheiro, porém, foi facilmente sobrepujado. A coisa parou o movimento de sua pá com uma única garra. O tritão, então, aproveitou a distração e acertou a criatura no peito, criando uma cascata de sangue-petróleo.

A cria enfureceu-se. Largou a ferramenta do clérigo e pegou Marini pelo pescoço. Queria matá-lo, mas nem tinha forças para tirá-lo do chão. Lena e José gritavam desesperados lá de cima. A menina até atirou de novo, mas errou.

Pensando rápido, Zacarias bateu com Isabel no braço do bicho com toda a força que tinha. O grandalhão estava livre, porém, marcado com dois grandes arranhões nos lados do pescoço.

A cria-do-mangue percebeu sua enorme desvantagem quando viu o velho cavaleiro correndo em sua direção, todo sujo com o sangue de seus comparsas. Bateu em retirada, grunhindo de dor e ódio, voltando de onde veio.

— Sigam ela que 'ocês vai parar na gruta. Tenho certeza — afirmou Jericob.

— Você não vem mesmo? — perguntou seu amigo, ofegante.

— É muito longe daqui e tenho que cuidar da Lia! Vão! Antes que o caminho se feche!

Seguindo o conselho, pegaram todas as malas e bagagens e levaram-nas para baixo. José Romeo aplicou a limpeza dos ferimentos de Marini, finalizando-a com dois gazes.

Léo, por sua vez, sentia-se mal. Um frio lhe percorria a espinha e um gosto amargo lhe preenchia a boca. Estava preocupado demais, tanto que nem chegou a lutar. "Léo, o que é que tá acontecendo contigo?", perguntava-se.

Enquanto isso, Zacarias abraçava seu velho camarada uma última vez. Aquele era um possível adeus:

— Obrigado por tudo, Jericob — agradeceu. — Que Floribranca nos dê a paz em breve.

— Não há de quê, Zacaria'. Ah! E diz pra Isabel que eu mandei um oi.

— Pode deixar que eu digo, Jericob... Pode deixar...

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KIDMOGRAPH. Disponível em: https://kidmograph.tumblr.com/post/166607833304/o. Acesso em: 16 abr. 2023.

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