Os raios da aurora tentavam penetrar as nuvens cinzentas que se amontoavam pelo céu. Caminhavam seguindo o rastro de destruição. Marini ia na frente, pouco se importando com seus ferimentos. José Romeo o seguia, dizendo para que não fizesse muito esforço. Bem no fim da fila, estava Léo, cabisbaixo.
Ainda não entendia como o velho coveiro parecia tão tranquilo à beira da calamidade. A morte é a única certeza desta vida. Todos os mortais a temem; seja por projetos inacabados ou sonhos irrealizados. Mas aquele homem torto e de olhos leitosos era diferente. Ele era "imortal".
Lena percebeu a preocupação que gritava de seu irmão e parou de andar, interrompendo sua passagem:
— 'Tás com medo também, mano?
— Um pouco... — admitiu ele.
— É... Foi a primeira vez que vi um monstro... Tô tremendo até agora. Olha! — Mostrou suas mãos estremecidas.
O jovem apenas fez uma cara de surpreso; nem se deu ao trabalho de dar uma resposta concreta. Sua mente pessimista estava em outro lugar. A mocinha, porém, não desistia; seguiram o caminho desacelerados, à certa distância do grupo.
— Me conta, Léo... O que tá acontecendo contigo? Tô preocupada... 'Tavas tão animado ontem...
O rapaz coçou o braço, olhou adiante e viu os outros três lá na frente. Zacarias andava devagar, usando a pá como bengala. Era uma cena triste de se ver.
— Também tiveste aquele sonho bizarro? — supôs a garota.
— Sonho bizarro?!
Lena respirou fundo e lhe contou sobre o pesadelo da tarde passada. Desta vez, entrou em ricos detalhes. O moleque se arrepiou todo quando ela comentou que Marini havia sonhado com a mesma coisa.
— (...) E quando eu disse o nome que ouvi no sonho — continuou ela —, o Seu Jericob ficou todo mordido! Falou que não podia chamar ela, porque senão ela escuta.
— E quem é ela?
— Diz que a mãe do manguezal.
— Mãe do manguezal?!
— Não sei de nada sobre ela, mas aposto que ela é do mal.
— Bem e mal depende do ponto de vista, Lena. Muita gente lá em Guaiatuba acha que o Seu Zacarias é mau...
— Não, mano. Tu não entendeste. Eu digo má, *má* mesmo!
Esta poderia ser muito bem só mais uma história de pescador, mas a garota tinha um olhar sisudo, incomum em seu rosto. As crias-do-mangue realmente existiam. Aquele velho poderia estar mesmo falando a verdade afinal.
— Mas enfim... — suspirou ela. — Se não foi o sonho, então o que foi? Podes me contar tudo, Léo. Tu sempre cuidaste de mim. Posso cuidar de ti também...
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Ladrões de Túmulos
FantasyAs noites de lua cheia têm um significado bem único para os irmãos Léo e Lena: invadir o cemitério e roubar dos mortos que recentemente reviraram a terra. Correr do coveiro e vender as joias adquiridas tornou-se parte da rotina dos órfãos, que lutam...