♱ ENTRE A CRUZ E A ARMA ♱

02. O chefe.

    Arrumei todas as coisas em seus devidos lugares e mais uma vez agradeci por só trazer o necessário. Estava exausta, suando em lugares que eu nem sabia ser possível, então fui tomar um banho demorado. Ao sair, coloquei uma roupa fresca e leve. Estava terminando de me vestir quando ouvi uma música alta vindo da rua, parecia estar rolando uma festa. Peguei meu livro novo, que comprei no aeroporto, e fui sentar na pequena varanda na frente de casa. Eu não estava interessada na história da princesa perdida e confusa, só queria um pretexto para observar a festança de longe. 

    Me sentei na pequena mureta que contornava a varanda, de forma que fiquei de frente para a casa badalada. Na verdade, a casa era na esquina ao lado, mas mesmo assim eu tinha uma visão privilegiada do que acontecia no quintal da frente deles. Era uma moradia bem parecida com a minha, mas toda pichada, cruzes em diferentes tamanhos estampavam a fachada e havia um sofá na grama. Interessante. Havia muita gente entrando e saindo pela porta da frente, pessoas de todas as idades. 

    Estava observando os rostos quando um específico me chamou atenção. Ele estava me encarando, o que foi especialmente estranho já que estava beijando uma moça. Fiquei olhando por alguns segundos, me perguntando se minha miopia havia aumentado, mas tive certeza que não quando ele se soltou da jovem e começou a caminhar em minha direção. Droga. 

    Voltei os olhos para as páginas tentando parecer focada na leitura, mas o livro estava de ponta cabeça e ele já estava perto demais para eu tentar corrigir este detalhe. Respirei fundo e fingi estar lendo, até ele parar em pé na minha frente. 

- Pode ir a festa se quiser, não precisa encarar até receber um convite formal. - ele disse sério.

- Ah, não, eu não estava encarando por vontade. - Sorri. - Só estava observando por curiosidade mesmo.

- Claro, só curiosidade. - respondeu me medindo novamente - Se quiser observar mais de perto, pode ir pra lá, Blanca. - sorriu e saiu andando.

- Meu nome é Bianca! - gritei enquanto ele se afastava.

    Em resposta ele apenas ergueu a cerveja que estava na mão. Já entendi que ele não se importa em me chamar pelo nome correto, mas podia me chamar apenas de "garota" então, usar outro nome é golpe baixo. Fiquei observando ele voltar para a festa enquanto pensava onde eu havia me metido. 

    Oscar é o chefe dos Santos, gangue que domina essa área de Freeridge. É claro que ele sequer tentava esconder isso, mas eu já conhecia seu rosto antes de chegar aqui. Eu não sou louca de vir para um bairro marginalizado sem saber quem manda na região. Sei que ele saiu da prisão apenas há dois meses, após cumprir 5 anos por um assalto a mão armada que acabou com um civil ferido. Acontece que por foto ele era intimidador, mas ao vivo ele faz jus ao apelido "Assombrado". 

     Olhei no meu celular e já se passavam das 22h, então resolvi entrar e dormir, pois amanhã sim seria meu primeiro dia de trabalho. O primeiro dia sendo conselheira dos alunos da Freeridge High.