07. Desabafo.

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    Me sentei ao seu lado e comecei o procedimento de retirada da bala. Enquanto eu trabalhava alí, o barulho de sirenes e tiros continuavam intensos pela vizinhança. Por certo lado foi bom, pois abafou o silêncio entre nós. A bala estava presa no músculo, então tirá-la não estava sendo tão simples como eu havia planejado. Eu estava totalmente concentrada na remoção quando ouvi ele dar um longo suspiro, passou a mão na cabeça e começou a falar.

- Marcos. Era meu braço direito, meu melhor amigo... Ele era meu irmão. Ele não queria essa vida. - Fez uma breve pausa, e mesmo sem olhar diretamente para seu rosto, pude ver a lágrima escorrer. - Nenhum de nós queríamos. Todos tínhamos sonhos, planos para uma vida feliz. Até mesmo eu. - Deu uma risada que foi abafada pelo gemido de dor. - Mas não tivemos escolhas, estamos presos a essa vida agora. Defender nossa família, lutando todos os dias para continuarmos vivos. Não podemos nos dar ao luxo de ter uma noite em paz, que esse tipo de coisa acontece. Os Profetas aproveitaram a noite e armaram uma emboscada para nós. Eles queriam a mim, a intenção era me matar. - Senti um arrepio percorrer todo meu corpo. - O idiota do Marcos se meteu na frente. Ele me salvou. Meu irmão morreu em meus braços por mim... E eu vou vingar a morte dele, nem que seja a última coisa que eu faça na terra. Eu vou destruir cada um dos malditos profetas.

Ele estava encarando o teto, com o rosto tensionado, a raiva emanava dele de uma forma quase física.

- Acabei. - Levantei do sofá e sentei no chão, começando a guardar os utensílios. - E eu não ia perguntar o que aconteceu.

- Eu sei. Por isso contei. - Respondeu me encarando.

- Sinto muito pela sua perda. - Disse de forma sincera.

- Esqueça. - Respondeu rápido demais. - Por que você tem uma mochila com tantos itens médicos? Um kit de primeiros socorros não vem com toda essa parafernália. - Perguntou olhando para um bisturi.

- Bem observado, mas eu sou conselheira do ensino médio, sabia? - Encarei ele. - Extrair uma bala foi nossa segunda lição no treinamento. - Não consegui conter uma risada.

- E qual foi a primeira? - Questionou se arrumando no sofá.

- Fazer um aborto.

Ele provavelmente não estava esperando essa resposta, pois ficou paralisado por alguns segundos.

- Eu sei que meu irmão está conversando com você. - Disse se levantando e parando no meio da sala. - Sei que ele não quer essa vida, mas fique fora disso. Foque seus esforços nas outras crianças, nas que podem realmente ser salvas.

- Eu não estou "dentro" disso. Se seu irmão quiser conversar comigo, ele será acolhido, mas as decisões são dele. Então, sou eu quem peço, me mantenha fora desse rolo de vocês. Eu vou escutar tudo que ele tenha para me dizer, posso te dar lar temporário em cada tiroteio e o que mais você quiser, mas não me envolva nisso, entendido?

Eu não tinha percebido que enquanto falava havia caminhado em direção a ele, e nesse momento estava perto o suficiente para sentir sua respiração em meu rosto.

♱ ENTRE A CRUZ E A ARMA ♱Onde histórias criam vida. Descubra agora