Cheguei à escola e fui direto para a minha sala, mas percebi muitos olhares sobre mim. Eu nem sei se são por causa da Olivia, por meu remoto relacionamento com Oscar ou pelo sequestro do dia anterior. Talvez todas as opções juntas. Eu havia acabado de sentar em minha cadeira quando Ashley entrou na sala.
- Olá, sente-se. - Me esforcei para soar neutra.
- Fim de semana difícil, né? - Questionou a jovem enquanto se acomodava.
- É, posso dizer que sim. E o seu? O que te traz aqui? - Voltei o foco da conversa para onde ele deveria estar.
- É complicado, Sra. Lopes. - Respondeu encarando os joelhos.
- Essa é a minha especialidade.
Então ela começou a contar sobre sua vida. A mãe foi embora quando ela tinha apenas 5 anos, deixando-a apenas com o pai, que não aceitou bem a partida da amada então se tornou viciado em drogas. Ashley não sabia dizer quais drogas exatamente, mas relatou que diversas vezes o pai chegava em casa completamente fora de si, sem reconhecer a própria filha.
- Houve vezes, Sra. Lopes, que ele chegou a ir pra cima de mim. Eu não sei com qual intenção, pois sempre consegui fugir. Fico pensando no que acontecerá caso um dia não dê tempo de fugir. - Ela terminou em meio às lágrimas.
- Para onde você vai nesses momentos? - Questionei.
Ela hesitou por um momento mas continuou.
- Para a casa de uma amiga, mas ela não mora tão perto, então só vou lá nesses casos mais graves. - Disse enxugando o rosto. - Parece que cada vez ele volta pior, sabe? Falando coisas mais desconexas que no dia anterior, com a aparência pior.
- Isso acontece todos os dias?
- Não, não. Às vezes ele fica 2 ou 3 dias sem sair, fica só deitado no sofá, igual um bicho morto, sem se mexer, sem comer... Então ele sai, e começa tudo de novo.
- Ele não está mais na fase que seria possível uma conversa, né? - Perguntei já sabendo a resposta.
- Não, essa fase já passou há uns 10 anos Sra. Lopes. - Ela deu uma risada sarcástica.
- Entendo. O que você gostaria de dizer a ele, caso ele ouvisse?
- Nada, na verdade. Eu não tenho nada a dizer a ele, porque eu não me importo mais com ele há muito tempo. Eu me importo comigo, com o que ele pode fazer comigo durante esses momentos. Eu queria que ele saísse da minha vida, para sempre. - Ela desabafou sem sequer uma lágrima mais escorrer.
- Eu posso imaginar Ashley, lidar com um viciado, ou mesmo conviver com um é um fardo muito pesado e até mesmo perigoso. Acho que você está certa em querer seguir sua vida sem ele, eu iria querer o mesmo. - Disse dando um sorriso acolhedor a ela. - Olha, eu posso entrar em contato com a justiça, para tirar você da guarda do seu pai. Mas essa é uma escolha sua.
- Onde eu moraria? - Questionou pensativa.
- Em um lar temporário até um familiar seu ser contatado e aceitar te acolher.
- Isso parece tão ruim quanto ficar. - Pensou em voz alta.
- É uma decisão complexa, mas não me parece uma escolha difícil.
- Posso pensar um pouco sobre isso?
- Você deve. Estarei aqui quando precisar. - Sorri.
- Obrigada. - Ela me encarou por alguns segundos e saiu da sala.
Um pai viciado que tenta agredir a filha. Bingo. Foi para isso que eu vim aqui. É por esses casos que eu viajo de cidade em cidade tentando ajudar os adolescentes. Passei o resto da manhã trabalhando nos casos do sequestro e do pai de Ashley, por sorte mais nenhum aluno foi conversar comigo. Acabei me entretendo tanto com as pesquisas, que quando percebi o sinal do final das aulas tocou. Eu estava guardando minhas coisas quando Alejandro entrou na sala um pouco alterado.
- Onde você estava ontem? - Perguntou furioso.
- Desculpa, mas o que te faz pensar que te devo uma explicação? - Cruzei os braços.
- Nossa história juntos, talvez? Você não tem coração? Eu preparei um almoço incrível para nós, para fazermos as pazes e termos um momento bom juntos, e você simplesmente some! - Disse gritando.
- Alejandro, nós não temos nenhuma história. Eu não te convidei para minha casa, muito menos para a minha vida. Entenda isso e me deixe em paz, por favor. - Peguei minha bolsa e saí da sala.
- Para com isso, amor. Você fica falando essas coisas, sabe como elas me magoam? - Continuou falando e me seguindo.
- Eu não estou nem aí para como você se sente! Eu não tenho nada com você. Nada! - Apressei os passos em direção a saída.
A calçada já estava praticamente vazia, mas vi o carro do Oscar estacionado, ele estava do lado de fora de braços cruzados. Confesso que senti um alivio inexplicável. Meu sentimento de paz foi interrompido por uma mão firme puxando meu pulso com força.
- Não fuja de mim, docinho. Nós somos um casal bom demais para não ser real. - Olhou para Oscar e voltou a me encarar - Você sabe que eu sou muito melhor que esse marginal. - Disse com um sorriso convencido.
- Me solta! Nós não somos nada, pelo amor de Deus! - Eu já estava gritando de desespero.
- Você tem dois segundos para soltar ela ou eu estouro sua cabeça aqui e agora.
Oscar, de alguma forma, chegou ao lado de Alejandro e colocou uma arma na cabeça dele. O professor me soltou e ergueu as mãos, se rendendo.
- Ora, ora, se não é o bandidinho mais famoso do bairro. - Disse rindo.
- E vai ser uma honra aumentar minha fama com seu nome na minha lista.
- Não, sem mais mortes essa semana. - Falei por fim me afastando de Alejandro.
- Vai pro carro. - Ordenou Oscar, me fazendo encarar ele incrédula. - Agora.
Eu não tinha energias para discutir, e ele estava armado, então apenas obedeci. Enquanto me afastava pude ouvir ele fazendo alguma ameaça contra Alejandro, que foi embora xingando.
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♱ ENTRE A CRUZ E A ARMA ♱
No FicciónEla sabia no que estava se envolvendo, havia se preparado para isso e aceitava as consequências por um objetivo maior. Mas nenhum treinamento a preparou para o amor. "- Volta aqui, me deixe explicar! - E não ouse voltar para o meu bairro, vadia."