Cap.4 - Parte I

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Nas demais aulas, não aderindo ao conselho do Senhor Shota, voltei para o meu lugar costumeiro do meio junto de meu trio, pra que eles não tivessem mais razões para acharem que tinha algo de errado comigo. Porém, não puxei mais conversas paralelas e, sem mim pra correr atrás, nenhum deles também iniciou um diálogo. Nem o Kiri, mano! Todos os sinais apontam a uma mudança de comportamento neles, mesmo que sutil, e é tão evidente agora que quis enxergar...

Foi um completo silêncio entre nós naquelas três últimas aulas, na ida pro carro após o fim do dia letivo e em todo o percurso até às nossas casas. A jornada foi preenchida apenas com as músicas de Eiji, o que estava na frente e com a playlist da vez. Eu passei o trajeto inteiro só olhando para o movimento de fora, sem prestar de fato atenção nas paisagens e localização que mesmo depois de todos esses anos nunca gravei.

Tudo no exterior do veículo corria muito rápido, mesmo que eu sentisse que aquela viagem estava demorando mais que a partida para escola (e todo mundo sabe que as voltas costumam parecer menores). Nessa altura do campeonato eles já deveriam estar bastante desconfiados de minha atitude, mas aparentemente não tinham notado ou não estavam dando bola e eu também não estava mais com saco pra fingir.

– Vou passar na minha casa. – Avisei, ao apressadamente ser o primeiro a sair do carro quando enfim chegamos no destino, não teria disposição pra ficar na casa de um deles com os dois nesse clima.

– Espera, cara de burro! – Bakugo só me chamava assim se eu estivesse fazendo merda (eram mais vezes do que eu gosto de contar).

Parei no meio da calçada e, após uns segundos juntando coragem para os encarar, me virei de frente pros dois que vinham afobados atrás de mim. Kats estava com uma feição irritada enquanto Eijiro demonstrava apreensão.

– Temos que contar pra ele. – Se voltando para o outro loiro, Kirishima disse a Katsu em uma súplica aflita.

Essa nunca é uma boa frase pra se ouvir... Espera, isso significa que minha intuição tava certa?! Eu costumava confiar mais neles no que nela e mesmo depois de toda aquela minha concepção dramática eu ainda torcia, no fundo, que estivesse errado.

– Então estão realmente de segredinhos?! – Disparei chateado, antes de Bakugo poder responder ao ruivo. – Desde quando somos de guardar sigilo um do outro?

– Viu? – Eijiro disse mais uma vez à Katsuki, mas agora assumindo uma postura de reprovação raivosa (o que era raro de se ver nele, ainda mais direcionado para um de nós). – Falei que era por isso que ele ficou abalado e você devia saber que não daria pra esconder nada dele!

– Não vamos discutir isso em público, tá legal? – Por incrível que pareça, logo Bakugo se conteve em gritar de volta em nossas caras optando por ser a voz da razão da ocasião (ele tem seus momentos).

– Nem tem ninguém aqui. – Afirmei ao olhar ao redor, não entendendo sua precaução.

O loiro cinzento apenas me ignorou e seguiu para sua casa. Pelo jeito o assunto era sério mesmo e bastante pessoal pra toda aquela cautela dele. Se bem que Kats sempre foi reservado no que diz respeito ao que ele realmente se importa, nesse caso seus melhores amigos (isso Denki, se iluda para se sentir menos pior da traição que acaba de descobrir).

Enquanto Katsuki tomava a frente, Kirishima permaneceu estático no mesmo lugar comigo, me olhando na expectativa de meus próximos passos, como se aguardasse a minha aprovação de irmos com o outro. Acho que nunca tive meu posicionamento valendo tanto assim e claro que cederia à pressão, já não sei pensar normalmente quem dirá com gente esperando por uma decisão minha. Portanto, fui também até a habitação dos Bakugo e o ruivo logo tratou de me acompanhar.

Mitsuki não voltava do trabalho tão cedo então teríamos a casa inteira só pra gente por um tempo, mas por hábito Katsuki escolheu por ter aquela conversa em seu quarto mesmo. E eu ainda não sabia dizer se a privacidade seria uma benção ou maldição.

Tendo nos acomodado em tal cômodo, eu me sentei na cama e eles ficaram rigidamente em pé de frente pra mim, os deixei ter as rédeas da situação, já que a confissão era deles, aguardando inquietamente eles começarem. Me senti um chefe prestes a ganhar uma palestra improvisada e apreensiva de seus funcionários que esqueceram de preparar a apresentação ou deixaram pra fazer de última hora e acabou não dando tempo de concluir.

– Aconteceu uma coisa quando você tava fora. – Tenso, Eijiro confirmou o óbvio e novamente se virou para o outro loiro: – ... Posso falar por nós dois?

– Você que quis, agora fala. – Katsu o respondeu rispidamente.

– Bom, é que... o que temos te escondido é que... sabe, a gente er... – Kirishima, envergonhado pelo que posso presumir por seu rosto que ficou todo vermelho que nem o seu cabelo, se enrolou fazendo Bakugo perder a paciência.

– Somos gays. – Katsuki disse simplesmente.

Eu teria achado que era uma piada se não fosse o fato de Bakugo nunca ter feito uma piada na vida e jamais que seria nessa circunstância, e com esse humor, que ele faria a sua primeira gracinha.

Demorei pra raciocinar, confuso inicialmente por conta de minha hipótese (aquela deles serem aces), mas ao me deparar com tal revelação passei a recordar nossas vivências e as coisas se encaixaram perfeitamente sob essa perspectiva. Como pude descartar essa possibilidade tão facilmente? Desconsiderei que em nossa sociedade quando se é gay não há apenas o gostar de pessoas de seu mesmo gênero e ocultar isso dos outros, em muitos casos também há o estado de negação provocado por uma homofobia internalizada que nos é condicionada desde pequenos por nos omitirem a existência de pessoas LGBT. E, depois que eventualmente descobrimos sobre, ainda nos é ensinado que essas pessoas são assim por doença mental ou má criação e o que elas fazem é errado, sujo, pecado, entre outros depreciativos. Ninguém, que teve essa educação, em seu período de autodescoberta vai ter imediatamente orgulho de quem é, pelo contrário e eu deveria saber disso por experiência própria.

É super compreensível que eles nunca tiveram um boy às escondidas, se aceitar é um processo, provavelmente ainda estavam no período de renegar aquilo de si mesmos. Às vezes esqueço que não é todo mundo que tem a mesma pressa que eu, sou do nível que nem consegue imaginar ficar tanto tempo sem pegar ninguém (o status de encalhado é por opção dos outros que vivem me recusando). Deve ser por isso que pra eles ponderei erroneamente para o lado assexual ou porque preferia pensar assim, já que rejeição por incompatibilidade é melhor de lidar do que a falta de interesse em si.

Nem sei por quanto tempo fiquei ali, só os observando depois daquela declaração enquanto tentava conter em meu interior mais uma súbita epifania de que: puta merda, eu acabei de forçar meus besties a saírem do armário pra mim?! Tipo, fora do tempo deles ainda? Porra, agora eu que sou o canalha da história!

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